A arte da presença
Recentemente, fui contratado para uma palestra em Belo Horizonte e a mediadora sugeriu um tema: “A arte da presença”. Gostei da sugestão, uma vez que percebo que muitas pessoas estão ensimesmadas, vivendo em suas cavernas platônicas. O Mito da Caverna de Platão (427 a.C. – 347 a.C.) é uma das passagens mais bonitas da filosofia e é incrível a atualidade de seus ensinamentos, mesmo datando de dois milênios e meio. Lá, como aqui, as pessoas contemplam as sombras no fundo de suas cavernas, mesmo sendo as nossas iluminadas pelas telas dos smartphones. Vivemos a ilusão de que somos benquistos, amados e entendemos que temos conexões com gente de todo o mundo. Mas não conseguimos interagir com o vizinho do prédio onde residimos.
Com a pandemia da COVID-19, as reuniões e palestras migraram exclusivamente para o mundo virtual e isso foi um alento para dialogarmos com as outras pessoas. Agora, com o retorno à normalidade, como é interessante propormos banquetes ao nosso público! “O banquete” é mais um clássico texto de Platão, onde os comes e bebes são pano de fundo para discussões de altíssimo nível, todos investigando e problematizando os dilemas da vida. Sim, isso é filosofar! Infelizmente, o que observamos atualmente é uma fratura disso. Convide um amigo para um lançamento de livro; um recital de poesia; uma palestra de filosofia e ele logo estará ocupado com os seus afazeres, viagens & afins, mesmo que seja tudo mentira e apenas despiste para não comparecer ao seu evento “chato”.
Agora, convide esse mesmo amigo para bebedeira regada a churrasco, qualquer um destes “churrasco na laje” (utilizo aqui a expressão do meu colega Luiz Felipe Pondé) e as presenças serão garantidas. Se tiver piscina então, aí é aquele festival grotesco de pelancas e som de funk às alturas.
Obviamente, que estou puxando brasa para a minha picanha (já que falamos de churrasco na linha acima), mas a arte da presença é manter o futebol amador aos domingos pela manhã (excluindo a cervejinha após a peleja). São as mulheres “perderem tempo” nos salões de beleza, conversando enquanto arrumam suas madeixas. É caminharmos pela natureza aproveitando o entorno de matas belíssimas e, quando perceberem que a conexão do wi-fi não pega, agradeça a verdadeira conexão de estar contigo mesmo, sem alaridos nem confusão. Precisamos retornar às coisas mesmas, não acham?
Assim, uma presença num evento cultural, com livros, debates interativos e bom humor são instrumentos para uma reflexão sobre as nossas condutas e, para aqueles que não têm o hábito desses encontros, o risco é se apaixonarem e participar de muitos outros. Não são poucas as pessoas que elogiam os eventos pela abrangência de temas abordados.
Reflitam sobre esta minha carta e mergulhem no mais íntimo de si mesmos. Relativizem o que é estar conectado e conversem mais com pessoas de carne e osso, sendo que este banquete pode se traduzir em um cafezinho. Tenho por hábito me permitir “perder horas” conversando com pessoas que agregarão valor à minha vida e, dia desses, proseei com um sábio retirado da vida e das atividades comezinhas. Este “Zaratustra” moderno (Zaratustra é um clássico personagem do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, 1844-1900) veio me mostrar que extemporâneos ainda persistem, como se dissessem “obrigado, não” a este modo de vida estúpido e rotineiro que estamos levando, nessa rotina besta de domingo, segunda, terça, quarta, quinta, sexta, sábado, domingo, segunda...
Espero ter provocado vocês. Venham discutir comigo presencialmente quando me apresentar em sua respectiva cidade...