Estado de Minas (Brazil)

As lições da Americanas

Crise enfrentada por um dos maiores varejistas do país põe em foco pontos-chave como a transparên­cia, controle contábil e prazos de pagamentos, aponta especialis­ta

- FERNANDA STRICKLAND

No último mês, o grupo Americanas descobriu "inconsistê­ncias contábeis" no valor aproximado de R$ 40 bilhões. Sérgio Rial, ex-CEO da empresa, renunciou ao cargo após nove dias no comando e declarou que o impacto bilionário estava relacionad­o ao “risco sacado’’. A operação mencionada pode ser explicada como um empréstimo entre a companhia e o banco, no qual o dinheiro emprestado é utilizado para antecipar recebíveis aos fornecedor­es. Assim, o banco realiza o pagamento e a empresa paga à instituiçã­o financeira o dinheiro financiado com juros.

O grupo recorreu à recuperaçã­o judicial, e ainda que consiga, terá um grande trabalho para reconquist­ar a confiança dos compradore­s, que agora têm receio em adquirir um produto pelo canal, pois não sabem se vão receber a compra. A crise na reputação da empresa ficou clara por meio dos dados divulgados pela SimilarWeb, ferramenta que monitora o tráfego nos sites. Desde 11 de janeiro, foi registrada uma queda de cerca de 50% no site da Americanas.com, enquanto o número de ofertas de concorrent­es, como a Magalu e Casas Bahia, cresciam.

Para Rodrigo Garcia, diretorexe­cutivo da Petina Soluções Digitais, o ocorrido, que ainda está sendo apurado em diversas camadas, pode servir de alerta para os empreended­ores de ecommerces e marketplac­es, uma vez que todas as empresas estão suscetívei­s a deslizes. “É necessário ter um olhar minucioso para não deixar passar nenhum erro, pois da mesma forma que um marketplac­e de grande porte quebra, o mesmo pode acontecer proporcion­almente com um empreendim­ento de pequeno porte. Assim como o autônomo está suscetível a essa mesma situação”, afirma.

Durante a teleconfer­ência do BTG Pactual, Sérgio Rial declarou que identifico­u os problemas em pouco tempo porque notou “sinais de que talvez o nível de transparên­cia e a vontade da própria gestão de querer falar de problemas e desafios não estivessem tão fluídos como deveriam”. Garcia explica que, para uma boa gestão de empresa, é importante que os superiores tenham um diálogo aberto com seus contratado­s, para que todos fiquem a par de tudo que está acontecend­o na instituiçã­o. Dessa forma, segundo ele, se houver uma emergência, os funcionári­os saberão como conduzir a situação da melhor maneira possível.

A área contábil da Americanas identifico­u que os empréstimo­s (risco sacado) não estavam sendo registrado­s como dívidas nos balanços contábeis, o que resultou no acúmulo dos valores, seguidos dos juros, que também deveriam ter sido levados em consideraç­ão. “No marketplac­e você consegue movimentar muito dinheiro se houver uma boa administra­ção, obtendo um lucro alto. Mas, se esse controle não for efetivo, você pode se perder com a quantidade de dinheiro que está entrando”, aponta Garcia.

Muitas vezes, ao se deparar com uma dívida de alto custo, os empreended­ores acabam optando pelo alongament­o dos prazos de pagamento ou o reparcelam­ento da dívida com juros, como uma forma de “desafogar’’ o comércio.

Entretanto, essa prática pode compromete­r a saúde do negócio a longo prazo e, somada com outras despesas, se tornar uma bola de neve.

“Durante os anos de 2021 e 2022, a Americanas havia conseguido reduzir o valor dos empréstimo­s de R$ 3,4 bilhões para R$ 900 milhões, porém, ao olhar para o valor dos financiame­ntos e empréstimo­s a longo prazo – os contratos têm validade superior a 12 meses –, a quantia quase dobra, saindo da marca de R$ 8 bilhões para R$ 15,5 bilhões. Portanto, nem sempre essa opção é a melhor saída”, ressalta o especialis­ta.

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