As lições da Americanas
Crise enfrentada por um dos maiores varejistas do país põe em foco pontos-chave como a transparência, controle contábil e prazos de pagamentos, aponta especialista
No último mês, o grupo Americanas descobriu "inconsistências contábeis" no valor aproximado de R$ 40 bilhões. Sérgio Rial, ex-CEO da empresa, renunciou ao cargo após nove dias no comando e declarou que o impacto bilionário estava relacionado ao “risco sacado’’. A operação mencionada pode ser explicada como um empréstimo entre a companhia e o banco, no qual o dinheiro emprestado é utilizado para antecipar recebíveis aos fornecedores. Assim, o banco realiza o pagamento e a empresa paga à instituição financeira o dinheiro financiado com juros.
O grupo recorreu à recuperação judicial, e ainda que consiga, terá um grande trabalho para reconquistar a confiança dos compradores, que agora têm receio em adquirir um produto pelo canal, pois não sabem se vão receber a compra. A crise na reputação da empresa ficou clara por meio dos dados divulgados pela SimilarWeb, ferramenta que monitora o tráfego nos sites. Desde 11 de janeiro, foi registrada uma queda de cerca de 50% no site da Americanas.com, enquanto o número de ofertas de concorrentes, como a Magalu e Casas Bahia, cresciam.
Para Rodrigo Garcia, diretorexecutivo da Petina Soluções Digitais, o ocorrido, que ainda está sendo apurado em diversas camadas, pode servir de alerta para os empreendedores de ecommerces e marketplaces, uma vez que todas as empresas estão suscetíveis a deslizes. “É necessário ter um olhar minucioso para não deixar passar nenhum erro, pois da mesma forma que um marketplace de grande porte quebra, o mesmo pode acontecer proporcionalmente com um empreendimento de pequeno porte. Assim como o autônomo está suscetível a essa mesma situação”, afirma.
Durante a teleconferência do BTG Pactual, Sérgio Rial declarou que identificou os problemas em pouco tempo porque notou “sinais de que talvez o nível de transparência e a vontade da própria gestão de querer falar de problemas e desafios não estivessem tão fluídos como deveriam”. Garcia explica que, para uma boa gestão de empresa, é importante que os superiores tenham um diálogo aberto com seus contratados, para que todos fiquem a par de tudo que está acontecendo na instituição. Dessa forma, segundo ele, se houver uma emergência, os funcionários saberão como conduzir a situação da melhor maneira possível.
A área contábil da Americanas identificou que os empréstimos (risco sacado) não estavam sendo registrados como dívidas nos balanços contábeis, o que resultou no acúmulo dos valores, seguidos dos juros, que também deveriam ter sido levados em consideração. “No marketplace você consegue movimentar muito dinheiro se houver uma boa administração, obtendo um lucro alto. Mas, se esse controle não for efetivo, você pode se perder com a quantidade de dinheiro que está entrando”, aponta Garcia.
Muitas vezes, ao se deparar com uma dívida de alto custo, os empreendedores acabam optando pelo alongamento dos prazos de pagamento ou o reparcelamento da dívida com juros, como uma forma de “desafogar’’ o comércio.
Entretanto, essa prática pode comprometer a saúde do negócio a longo prazo e, somada com outras despesas, se tornar uma bola de neve.
“Durante os anos de 2021 e 2022, a Americanas havia conseguido reduzir o valor dos empréstimos de R$ 3,4 bilhões para R$ 900 milhões, porém, ao olhar para o valor dos financiamentos e empréstimos a longo prazo – os contratos têm validade superior a 12 meses –, a quantia quase dobra, saindo da marca de R$ 8 bilhões para R$ 15,5 bilhões. Portanto, nem sempre essa opção é a melhor saída”, ressalta o especialista.