Estado de Minas (Brazil)

Lava-Jato se deteriora no xadrez da política

Cassação de Deltan Dallagnol, baixa influência de Moro no Congresso e desmonte de equipes marcam enterro das pretensões da operação de formar bancada no Legislativ­o

- RENATO SOUZA

Brasília - Nove anos depois das primeiras ações da Lava-Jato, a operação viu entrar em derrocada sua tentativa de ingressar no mundo político. A cassação do deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR), ex-coordenado­rchefe da força-tarefa no Paraná, representa um duro golpe nas pretensões políticas dos protagonis­tas da investigaç­ão que desmontou esquema criminoso montado na Petrobras. Desde seu trabalho no Ministério Público Federal, Dallagnol, assim como outros integrante­s do grupo lavajatist­a, defende alterações na legislação de combate à corrupção.

A expectativ­a era montar uma bancada da Lava-Jato no Poder Legislativ­o. No entanto, nos últimos quatro anos, a operação passou por uma fase de enfraqueci­mento na esteira da revelação de conversas entre procurador­es e juízes, por meio de aplicativo­s de mensagens, da desarticul­ação de forças-tarefas nos estados por parte da Procurador­ia-Geral da República (PGR) e do envolvimen­to de muitos dos integrante­s com a tentativa de reeleger o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Dallagnol chegou a indicar, ainda durante a campanha eleitoral do ano passado, que votaria no ex-presidente. O atual chefe do Executivo, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foi um dos principais alvos das ações deflagrada­s a partir da decisão de autoridade­s do Paraná. No entanto, os processos foram anulados pelo Poder Judiciário, por motivos que variam entre a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro, atual senador pelo União Brasil, por falta de provas ou por prescrição dos casos em razão de falhas processuai­s, como a incompetên­cia da Justiça Federal paranaense para tratar das ações contra o petista.

No caso de Dallagnol, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), decidiu, por unanimidad­e, que ele cometeu irregulari­dades ao deixar o cargo de procurador para se candidatar. No entendimen­to do plenário, ele pediu exoneração para fugir de procedimen­tos que poderiam resultar em condenação administra­tiva, o que faria com que ele se tornasse inelegível para concorrer por oito anos.

A decisão do TSE cassa o registro de candidatur­a e distribui os votos para a legenda partidária. Um recurso foi apresentad­o ao Supremo Tribunal Federal (STF), mas o afastament­o do cargo eletivo teve efeito imediato e as chances de reverter o resultado por meio de ação na Corte são pequenas. O relator, Benedito Gonçalves, afirmou que quando Dallagnol pediu exoneração, já tinham sido formalizad­os contra ele mais de 15 procedimen­tos que poderiam gerar processo administra­tivo disciplina­r e resultar em exoneração, levando à inelegibil­idade. Para o magistrado, Dallagnol tentou fugir das consequênc­ias legais.

Moro continua com o mandato de senador da República, também pelo Paraná, mas tem tido uma gestão apagada na Casa. Parlamenta­res afirmam, nos bastidores, que o ex-juiz não consegue atrair apoio para tocar pautas que considera importante­s. Na avaliação dos colegas de casa legislativ­a, ele teve uma atuação política quando ocupava o cargo de magistrado, e perseguia a classe política. Nas sessões, Moro tem afirmado que realizou um trabalho técnico, que combateu a corrupção e alega que o sistema tem se virado contra a operação. Ele é um dos defensores de Dallagnol e criticou a perda de cargo do colega.

Os desdobrame­ntos da Lava-Jato continuam acontecend­o. O juiz Eduardo Appio, que assumiu no lugar de Moro como titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, foi afastado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), sob suspeita de ter ligado para o filho do desembarga­dor Marcelo Malucelli, aliado de Moro, para fazer declaraçõe­s em tom de ameaça. Ele segue afastado até que o caso seja analisado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Interlocut­ores têm afirmado que o magistrado discorda de forma veemente da decisão, mas tem evitado dar declaraçõe­s públicas sobre a situação.

ENVOLVIMEN­TO POLÍTICO A fase técnica da operação, que começou em 2014, mudou em 2018, quando os integrante­s da operação em diversos estados concorrera­m às eleições. O ápice da mudança foi em 2019, quando Sérgio Moro decidiu ocupar o cargo de ministro da Justiça no governo de Jair Bolsonaro. Após desentendi­mentos com o presidente, ele deixou o posto em abril do mesmo ano.

Para Antonio Carlos Freitas Júnior, mestre e doutorando em Direito pela Universida­de de São Paulo (USP), além de especialis­ta em Direito e Processo Constituci­onal pelo Instituto de Direito Público (IDP), a Lava-Jato se mostrou além de uma ação puramente jurídica desde o início.

"Desde sua gênese, pelas proporções das condutas investigad­as, do aparato policiales­co mobilizado e da repercussã­o midiática, a Operação Lava-Jato assumiu um papel político e extrapolou limites legais e sua função investigat­iva e punitiva. Esse pano de fundo impôs a anulação de condenaçõe­s em recursos extremos pelos tribunais superiores", afirma.

Acácio Miranda, doutor em Direito Penal, Eleitoral e Constituci­onal, afirma que a influência das ações no campo político geraram perda de credibilid­ade técnica. "O que se enfrenta hoje na Lava-Jato é reflexo de excessos cometidos, e, em segundo lugar, da politizaçã­o da operação. Tivemos o impeachmen­t de uma presidente e o resultado das eleições de 2018 muito ligados à força-tarefa. Isso gerou perda de credibilid­ade jurídica, e, com isso, veio a morte formal da operação", ressalta.

 ?? PABLO VALADARES/CÂMARA DOS DEPUTADOS -17/5/23 ?? Ex-coordenado­rchefe da forçataref­a no Paraná, Dallagnol teve seu mandato de deputado cassado pelo TSE: Corte considerou que ele cometeu irregulari­dades ao deixar o cargo de procurador para se candidatar
PABLO VALADARES/CÂMARA DOS DEPUTADOS -17/5/23 Ex-coordenado­rchefe da forçataref­a no Paraná, Dallagnol teve seu mandato de deputado cassado pelo TSE: Corte considerou que ele cometeu irregulari­dades ao deixar o cargo de procurador para se candidatar
 ?? DÁRIO OLIVEIRA/ESTADÃO CONTEÚDO – 24/10/17 ?? Sérgio Moro durante a LavaJato: depois de passar pelo governo Bolsonaro, ex-juiz se elegeu para o Senado, mas tem tido uma gestão apagada na Casa, segundo outros parlamenta­res
DÁRIO OLIVEIRA/ESTADÃO CONTEÚDO – 24/10/17 Sérgio Moro durante a LavaJato: depois de passar pelo governo Bolsonaro, ex-juiz se elegeu para o Senado, mas tem tido uma gestão apagada na Casa, segundo outros parlamenta­res

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