Estado de Minas (Brazil)

“Amor platônico”, desta vez, fica no platônico mesmo...

Série disponível no Apple TV+ segue a estrutura de comédia romântica, mas tema é outro: a amizade entre homem e mulher. E para os protagonis­tas, isso é possível na vida real

- Rose Byrne, atriz Seth Rogen, ator

Você já viu esse filme: um homem e uma mulher são melhores amigos e, após muitas decepções com um ou vários parceiros, acabam descobrind­o que estavam procurando o amor no lugar errado, sendo que ele estava ali do lado o tempo todo. Em “Amor platônico”, em cartaz no serviço de streaming Apple TV+, isso não vai acontecer.

“Eu acho que provavelme­nte isso arruinaria a série”, conta Seth Rogen, 41, à reportagem. Isso porque apesar da estrutura de comédia romântica, o tema principal aqui é outro: a amizade entre homem e mulher. Na trama, o ator interpreta Will, um mestre cervejeiro de vida desregrada que, após uma separação, volta a manter contato com Sylvia (Rose Byrne), sua melhor amiga da juventude.

Para quem acha que a amizade entre pessoas do sexo oposto sem segundas intenções é impossível, a dupla de protagonis­tas diz discordar. “As pessoas se projetam muito nesse tipo de relação e põem muito de sua própria bagagem ao falar do assunto”, avalia Rogen. “Quem critica está revelando muito mais da própria visão sobre a vida, os papéis que acha que cada gênero tem que desempenha­r e as relações como um todo. Quem achar que uma amizade entre homem e mulher não é possível está simplesmen­te errado.”

Byrne afirma que essa é uma questão que está mudando diante dos nossos olhos. “Acho que é, em parte, algo geracional”, comenta. “A nossa geração provavelme­nte está melhor que a anterior e, entre os mais jovens, eles ligam menos ainda para os estereótip­os de gênero e acham totalmente normal ser amigos sem ter relações físicas. A série é muito mais sobre as personalid­ades deles e como eles podem chegar a um bom termo na relação que não tem necessaria­mente os altos e baixos de um namoro.”

DOBRADINHA Os atores já haviam vivido um casal na comédia “Vizinhos” (2014), que ganhou uma sequência em 2016. Ambos

“Se você pode encontrar o triunfo e o desastre e tratar da mesma forma a esses dois impostores (...).”

Essas duas linhas do belo poema “Se”, de Rudyard Kipling, estão pintadas acima da entrada que dá para a quadra central de Wimbledon. A mensagem é encarada pelos tenistas antes de eles adentrarem na principal arena do icônico Grand Slam de tênis.

“Triunfo” e “desastre” saem dos versos de Kipling para nomear as duas partes que formam o documentár­io de quase quatro horas “O mundo contra Boris Becker”, de Alex Gibney, diretor reconhecid­o por títulos como “A inventora: à procura de sangue no Vale do Silício” e “Um táxi para a escuridão”, com o qual venceu o Oscar.

Com apenas 17 anos, Boris Becker se tornou em 1985 o tenista mais jovem a conquistar qualquer Grand Slam ao ser campeão na grama de Wimbledon – a marca foi batida por Michael Chang, em 1989, nos Estados Unidos, mas a de Becker ainda é a principal no torneio inglês.

Tratado por parte da imprensa os filmes foram dirigidos por Nicholas Stoller, que criou a série ao lado da mulher, Francesca Delbanco – a dupla é a mesma responsáve­l por “Friends from College”, que teve duas temporadas na Netflix entre 2017 e 2019.

“Foi divertido, e acho que parte do apelo que me fez querer fazer a série”, conta Rogen. “Assim que começamos a gravar, percebemos que já conhecíamo­s o ritmo e entendíamo­s o tempo de comédia um do outro, mesmo sendo uma dinâmica completame­nte diferente. Isso foi o mais divertido, porque era parecido de muitas formas, mas estávamos fazendo personagen­s muito diferentes.”

Na série, Will e Sylvia não poderiam ser mais diferentes. Ela tem uma relação estável com Charlie como um sucesso da geração “baby boomer” – foi chamado em uma reportagem de “boom, boom, Becker”, daí o título original do documentár­io, “Boom! Boom!: The world vs. Boris Becker” –, o tenista foi o garotoprop­aganda ideal de uma Alemanha às vésperas da unificação (o Muro de Berlim caiu quatro anos depois).

Por outro lado, também era um desastre na administra­ção das finanças, fez apostas erradas, passou por divórcios com prejuízos milionário­s e, ainda na meia-idade, foi levado à Justiça e à prisão.

FUNDO DO POÇO Gibney esmiúça esses dois lados com idas e vindas no tempo e farto material de arquivo comentado pelo próprio Becker, um ótimo contador de histórias, mas nem sempre preciso, como o próprio diretor adverte de tempos em tempos.

O diretor encontrou o ex-número 1 da ATP (Associação dos Tenistas Profission­ais) em duas oportunida­des, a primeira em 2019, quando seu protagonis­ta já enfrentava problemas legais, e a segunda (Luke Macfarlane) e deixou a carreira de lado para se dedicar à família. “Ela tem sido a principal cuidadora da casa e está saindo da fase de ter que acompanhar tudo dos filhos pequenos e da intensidad­e que isso tem, e então é confrontad­a com o que vem a seguir”, explica. “Minha sensação é de que ela está passando por uma crise de meia-idade, e tenho muitas amigas e amigos que se viram nesse lugar.”

Já Will vive como se nunca tivesse saído da adolescênc­ia. “Acho que temos em comum o desejo desesperad­o de parecer jovem e bacana, mas sou um pouco melhor em disfarçar isso”, brinca Rogen. “Ele se divorciou recentemen­te e está tentando recuperar o tempo perdido, o que em 2022, três dias antes de sair sua sentença. Apesar de os encontros terem registro de imagem semelhante, com enquadrame­nto idêntico e quase o mesmo figurino, é nítida a diferença do Becker de 2022, mais grisalho e muito mais tenso, por vezes beirando o desespero, com a voz levemente trêmula.

“Cheguei ao fundo do poço”, diz ele. “Não sei o que pensar. Mas vou encarar, não vou me esconder nem fugir. Vou aceitar a sentença”, completa. Mas, para entender o tamanho do poço, Gibney volta ao início triunfante com o título aos 17 anos. E, para quem acreditava que o título foi um golpe de sorte, Becker fez de novo. Foi bicampeão em 1986, aos 18.

Becker ocupou um espaço vago para se tornar um dos principais ídolos do esporte naquela geração, que já não tinha Bjorn Borg ou Jimmy Connors para torcer e via as últimas raquetadas de John McEnroe.

O número 1 era o tcheco Ivan Lendl, tão frio nas quadras como fora delas, e com o carisma de um aspargo. Não foi tão difícil para o justifica várias das péssimas escolhas que ele faz.”

RECONEXÃO Mesmo assim, a dupla se reconecta e, como costuma acontecer nas boas amizades, é como se o tempo não tivesse passado. “Acho que eles simplesmen­te gostam um do outro e se entretêm mutuamente”, resume Rogen sobre a relação. “A série tem muitas cenas que mostram como eles se divertem juntos e, mesmo que nem sempre seja a diversão mais produtiva ou saudável, você vê que eles genuinamen­te estão aproveitan­do.”

Para quem está de fora, no entanto, nem sempre é fácil de entender a dinâmica de uma amizade como essa. É o que ocorre com Charlie, que acaba enciumado em

“O mundo contra Boris Becker”, de Alex Gibney, é comentado pelo ex-tenista e ídolo de uma geração jovem Becker se tornar um dos principais queridinho­s no coração dos torcedores.

FORA DAS QUADRAS Tanto os ganhos nas quadras como os contratos publicitár­ios eram controlado­s com mão de ferro por seu treinador e empresário, o romeno com cara de mau Ion Tiriac. Mas, aos poucos, o alemão abandonou a parceria e aumentou os gastos.

Tão debatida nos dias de hoje, a saúde mental também tem espaço e cobrou seu preço. Quando o jogador pensou em parar precocemen­te – como seu ídolo, Borg – ou quando precisou recorrer a pílulas para controlar a ansiedade.

Na vida privada, Becker era alguns momentos. “Ele se sente ameaçado porque percebe que ela se diverte mais com o Will”, explica Byrne. “Não é uma série infidelida­de, mas quando Charlie começa a ficar paranoico com isso e passa a sentir inveja é muito divertido. Amo essa ideia porque sinto que nunca vi essa dinâmica em particular sendo abordada antes.”

Sylvia explica ao marido que acha mais fácil não ter que parecer dar conta de tudo na frente de Will, já que o amigo é ainda mais caótico do que ela. “Nesse ponto da crise que ela está vivendo, ela se sente muito vulnerável para se mostrar assim ao marido”, avalia a atriz. “Ela não está pronta, se sente envergonha­da de não dar conta de tudo. Acho isso muito fácil de se identifica­r.” um personagem e tanto para os tabloides alemães por se relacionar com a negra Barbara Feltus, sua primeira mulher. Ao mesmo tempo que passou a sofrer perseguiçõ­es racistas, o casal também era o preferido da mídia e dos publicitár­ios, quase um símbolo da nova Alemanha.

Suas escapadas extraconju­gais estão em destaque na parte dois, “Desastre”, que também salienta os empreendim­entos falidos e as amizades que renderam dissabores financeiro­s.

FISCO Sempre que o documentár­io apresenta algum problema ligado a dinheiro, Becker se defende como se não soubesse o que acontecia ou com alguma desculpa de perseguiçã­o. É assim, por exemplo, quando o fisco alemão aplica uma pesada multa por evasão. Ou quando ele encara a Justiça novamente

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A série não chega a esse ponto, mas na vida real – muitas vezes – é preciso fazer uma escolha entre amor e amizade, porque alguns parceiros simplesmen­te não dão conta de lidar com a situação. “Por que você teria que escolher?”, questiona Rogen. “Você até pode ser amigo de alguém e depois se apaixonar, mas espero que esse não seja um dilema que as pessoas precisem enfrentar.”

”AMOR PLATÔNICO”

A nossa geração provavelme­nte está melhor que a anterior e, entre os mais jovens, eles ligam menos ainda para os estereótip­os de gênero e acham totalmente normal ser amigos sem ter relações físicas”

“Quem achar que uma amizade entre homem e mulher não é possível está simplesmen­te errado”

em 2022, acusado de ocultação de patrimônio e de dívidas no Reino Unido.

O aspecto mental, tão destacado em seu jogo por ele e por adversário­s, não era usado com a mesma destreza nas finanças. Até o desfecho inevitável com o “match point” da Justiça.

Talvez fosse possível editar todo o material em uma única parte. A relação com Novak Djokovic, treinado por um período pelo alemão, serve apenas para fazer um link com a nova geração. Agradável, mas não imperativo.

Lembrando Kipling, ao encarar o triunfo e o desastre, Becker abraçou os dois. (Sandro Macedo / Folhapress)

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APPLE TV+/DIVULGAÇÃO Em “Amor platônico” Sylvia (Rose Byrne) e Will (Seth Rogen) voltam a manter contato depois que o mestre cervejeiro se separa e procura a sua melhor amiga da juventude
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