Estado de Minas (Brazil)

Mulheres inspirador­as

HISTÓRIAS DE EMPREENDED­ORAS QUE CONQUISTAR­AM SEU ESPAÇO À FRENTE DE EMPRESAS DE TECNOLOGIA E INOVAÇÃO

- CELINA AQUINO

Se empreender no Brasil já é difícil, imagina para as mulheres. Exaustão, solidão e falta de representa­tividade são palavras que empreended­oras usam para descrever o que vivem no meio da tecnologia e da inovação. Mas esse espaço não vai ser só para lamentaçõe­s. Mais que mostrar a realidade, queremos, na semana do Dia Internacio­nal da Mulher, exaltar histórias de quem luta, não desiste e conquista seu espaço à frente de empresas criativas e inovadoras.

Um bom jeito de começar a primeira história é recorrer a Cazuza, na música “Exagerado”: seu destino foi traçado na maternidad­e. Filha de engenheiro mecânico e artista, Paula Mesquita, de 31 anos, cresceu entre as exatas e as humanas. E sempre teve um instinto empreended­or. “Quando percebia, estava no meio coordenand­o, querendo solucionar problemas, traçar estratégia­s e distribuir funções. Isso sempre foi muito natural.” Formada em engenharia civil, ela acabou criando um negócio e trabalha com arte.

Sua carreira começou como estagiária na área de estratégia de uma multinacio­nal. No limbo entre o fim do estágio e a contrataçã­o, foi pintar quadros e abriu uma empresa. “Não tinha ideia do que estava fazendo, mas tinha excelente poder de convencime­nto. Convenci artistas a deixar quadros comigo e criei um e-commerce de obras de arte. Questionav­a por que a arte tinha essa dicotomia de ser exclusiva e inacessíve­l ou popular e sem valor. Queria mostrar que poderia ser ordinária, para todo mundo.”

Paula conseguiu o emprego, mas não abandonou o negócio. Encarou uma exaustiva jornada dupla, foi aprendendo a empreender “na base do instinto e da porrada” e migrou de venda de obras de arte para produção cultural. Batendo de porta em porta, fez o primeiro projeto de grafite para um bar e não parou mais. Depois veio o contrato com a multinacio­nal onde trabalhava (hoje sua maior cliente) e assim nasceu, em 2019, a Fábrica de Graffiti, com o formato que existe até hoje.

“Somos um projeto que humaniza ambientes industriai­s, sempre através da arte urbana, a arte mais democrátic­a que existe”, aponta Paula. Por meio de leis de incentivo, a empresa desenvolve projetos de grafite para fábricas ou espaços de atuação das indústrias. O trabalho envolve curadoria artística, planejamen­to, estratégia, orçamento e cronograma de execução. No fim, forma e capacita jovens da comunidade, através de um curso próprio de grafite, para que se tornem novos artistas urbanos.

Depois de passar por uma situação extrema, Paula tomou uma decisão que impulsiono­u o negócio. “A mulher empreended­ora encarna um espírito de super-heroína, de quem consegue fazer tudo. Você peita muitos desafios, mas se esquece do fator humano. Isso culminou em burnout, mas foi o que me fez ter coragem de sair do emprego.” Mais tarde, enquanto se recuperava de mais um episódio traumático (um golpe do ex-marido), teve forças para dar outra virada na sua vida de empreended­ora.

"Enquanto os CEOs forem homens, brancos e héteros, vai ser muito difícil uma cultura organizaci­onal abraçar genuinamen­te movimentos de apoio à igualdade de gênero" ●●●● Paula Mesquita Fábrica de Graffiti

"Tem sido uma caminhada muito desafiador­a, por não ter referência­s, por sempre questionar o status quo, mas me tornar referência para outras mulheres é o que mais me move” ●●●● Lorena Lage L&O Advogados

VIDA NOVA AOS 30

Paula apostou todas as suas fichas (diga-se dinheiro e energia) no novo negócio, que ainda engatinhav­a. A empresa de adesivos decorativo­s Colado, que começou em um quarto de hotel em São Bernardo do Campo (SP), hoje tem sede no centro empresaria­l da cidade de São Paulo. “Me reinventei aos 30 anos e isso culminou em outra empresa. Me mudei para São Paulo, hoje temos escritório no melhor prédio da Avenida Paulista e vamos entrar em uma rodada de investimen­to de R$ 250 mil.”

Apesar das conquistas, a empreended­ora enxerga que o fato de ser mulher impõe muito mais desafios. Paula já foi tachada de maluca, já ouviu gente se referir à sua empresa como “um negocinho”, já recebeu e-mail falando que ela “embelezava a reunião”, já recebeu como resposta: “não lido com mulherzinh­a”. De tudo um pouco.

“Falar de empreended­orismo feminino é falar de exaustão. Diariament­e, somos descredibi­lizadas, então já temos que nos provar 10 vezes mais para mostrar que merecemos estar na posição que conquistam­os. Sempre acham que algum homem é o responsáve­l pelos projetos. Só descobrem que sou eu quando aparece o primeiro pepino. Ser mulher e ser nova é provar mil vezes que tenho capacidade intelectua­l. Se te acham bonita, então, você tem que provar que existe um cérebro por trás da capa.”

Na visão de Paula, cabe aos líderes acelerar os processos de mudanças. Por isso, ela sempre dá preferênci­a para mulheres nas contrataçõ­es. “Isso significa dar mais oportunida­de e mais espaço para as mulheres. Se não existirem mulheres em cargos de liderança, não vamos mudar o cenário dos negócios. Enquanto os CEOs forem homens, brancos e héteros, vai ser muito difícil uma cultura organizaci­onal abraçar genuinamen­te movimentos de apoio à igualdade de gênero, não só para cumprir tabela.”

IDADE NÃO É BARREIRA

Aos 32 anos, Lorena Lage tem um escritório emBeloHori­zonterefer­ênciaemate­ndimentoa startups e empresas de inovação, é especialis­ta em contratos eletrônico­s, criou e coordena o primeirocu­rsodepós-graduaçãoe­mdireitoet­ecnologia do Brasil e dá aulas nessa área. Muito nova para fazer tudo isso? Idade nunca foi barreira paraaadvog­ada.“Faloqueami­nhavidasem­prefoi muito intensa.”

Ela começou tudo muito cedo. Trabalha desde os 13 anos, buscando autonomia. Pulou da área de eventos para tecnologia, fez cursos de programaçã­o e desenvolvi­mento de software e passou a desenvolve­r blogs. Na dúvida entre psicologia e engenharia ambiental, acabou escolhendo direito, por influência de um teste vocacional. “Nunca tinha pensado nisso, não tenho advogado na família.”

O resultado não poderia ser mais acertado: Lorena se apaixonou pelo curso desde a primeira aula e fez estágios do início ao fim. Detalhe: passou no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) antes da hora. Em 2014, quando ninguém falava muito sobre tecnologia no direito, ela decidiu fazer o trabalho de conclusão de curso sobre contratos eletrônico­s, ainda sem imaginar o rumo da sua carreira.

No último período da faculdade, foi contratada por um escritório de advocacia. Parecia um sonho, mas virou pesadelo. Em dois dias, Lorena percebeu que o trabalho não batia com os seus valores. Chegou em casa muito desestimul­ada e ouviu do pai: “Você tem um senso de justiça muito forte e não vai encontrar um lugar para trabalhar onde consiga manter seus valores, o mercado é cruel, então vai criar seu negócio. Assim, vai gerar impacto no mundo fazendo da forma como acredita.” Palavras sábias desse pai.

Um mês depois de formada, Lorena já estava à frente do escritório L&O Advogados, ao lado do namorado (hoje marido) e sócio Robert Oliveira.

“Doce ilusão achar que é fácil o caminho do empreended­orismo. Comecei a me desafiar, preparar o site, buscar ajuda sobre como conseguir clientes e, nos três primeiros anos, não tirei salário. De cliente em cliente, ficamos conhecidos como advogados que resolviam sem processo”, conta. Foi uma conversa de bar com um amigo, que tinha uma startup, que surgiu a ideia de focar nesse segmento. Seguindo o lema de encontrar soluções que, não necessaria­mente, envolvem processos judiciais.

“SEI DO MEU VALOR”

Ser ignorada em reuniões foi “fichinha” perto de um episódio marcante. Lorena atendeu ao telefonema de um cliente, que negou sua ajuda e pediu para falar com Robert, alegando que “um homem vai entender melhor os desafios”. Na época, ela já dominava o assunto em questão (lei de proteção de dados) e tinha até publicado artigo científico. “Estava tremendo, mas falei: deixa eu te explicar, se você precisa de um homem, então aqui ninguém pode te atender. Sou especialis­ta no tema e sei do meu valor.”

A questão da presença feminina no mercado de trabalho virou uma pauta importante para o escritório, tanto que a maioria dos colaborado­res são mulheres. Lorena também fala que um dos seus maiores prazeres é mentorar mulheres. Essas atitudes, ela acredita, são o que fazem a diferença.

“Falo que empreended­orismo é solitário, mas o empreended­orismo feminino é ainda mais solitário. Faço parte de um encontro de empreended­ores e, de 60 pessoas, sou só eu e mais uma mulher. Nesses espaços, quase não encontramo­s mulheres, então é difícil de se enxergar ali. Temos que ter muita garra, determinaç­ão, propósito, acreditar nos valores para nos mantermos firmes, mesmo na dor. Tem sido uma caminhada muito desafiador­a por não ter referência­s, por lutar contra o tradiciona­lismo, sempre questionar o status quo, mas me tornar referência para outras mulheres é o que mais me move.”

SEMPRE À FRENTE

Você vai ler um bocado de “primeiros” e “primeiras” na próxima história. Isso porque a trajetória de Dany Carvalho, de 40 anos, é marcada por muitos pioneirism­os. Mineira de Itabirito, na Região Central do estado, Dany foi a primeira mulher da família a fazer curso superior. Por isso, a educação é um dos pilares da sua carreira. “Menos sobre conseguir título, mais sobre o papel da educação de gerar conhecimen­to crítico, principalm­ente para nós, mulheres, conseguirm­os tomar decisões melhores. Fazer curso superior foi quase um bilhete premiado para mudar a realidade que tinha até então.”

Dany se formou em pedagogia empresaria­l e logo entrou na primeira consultori­a de inovação do Brasil. Isso em 2010, quando nem se falava em startup, eram empresas com base tecnológic­a. No mesmo ano, ela ajudou a formatar o primeiro evento de inovação do país. Depois, foi trabalhar na primeira acelerador­a de startups do Brasil e começou a prestar consultori­a para grandes empresas. Também fez parte do time que trabalhou na primeira iniciativa governamen­tal de apoio a startups.

Mais adiante, trabalhou no primeiro hub de inovação da América Latina, em São Paulo, onde se tornou a primeira community manager (líder de comunidade) do Brasil. “Falo que a minha trajetória se confunde com a evolução do ecossistem­a de startups no Brasil. Não tinha referência­s, aprendi fazendo.”

Desde 2022, Dany é a CEO do Órbi Conecta, hub de inovação em BH. A ideia surgiu a partir da primeira comunidade de startups do Brasil, a San Pedro Valley (em referência à sua localizaçã­o, no Bairro São Pedro). O trabalho consiste em conectar startups, grandes empresas,

"Gostaria de ver mais mulheres negras nos ambientes que frequento e espero que o meu trabalho possa inspirar outras mulheres para que também cheguem a cargos de liderança" ●●●● Dany Carvalho Órbi Conecta

“Sou a única mulher entre os sócios, sou uma das poucas mulheres dentro desse mercado de mobilidade e levanto a bandeira de que mais mulheres devem fazer parte disso" ●●●● Jordana Souza Voll

fundos de investimen­tos, iniciativa­s governamen­tais e universida­des, com foco em impulsiona­r a transforma­ção digital e construir uma nova geração de empreended­ores no estado. Cursos são oferecidos através do Órbi Academy.

“Estive fora de Minas desde 2011 e pude retornar para o estado onde aprendi a me conectar com a palavra inovação, é algo muito significat­ivo. Quando se fala sem comunidade, fala-se em dar de volta, então quero dar de volta para as pessoas todo o aprendizad­o que adquiri ao longo de 13 anos. E quero que o Órbi seja uma ferramenta para fortalecer Minas como referência em inovação no cenário nacional.”

DIVERSIDAD­E É INOVAÇÃO

Dany diz que as mulheres não são minoria no empreended­orismo, principalm­ente quando nos distanciam­os do glamour e das capas de revista. “Quantas mulheres à nossa volta estão criando novas formas de viver e sobreviver? Venho de uma família de empreended­oras, o que para mim está relacionad­o a lidar com as adversidad­es e tomar decisões. Me inspira a forma como a minha mãe e a minha avó encaram a vida com força, protagonis­mo e tentando enxergar o copo cheio. A minha força vem delas.”

A questão está quando se faz o recorte para o mundo da tecnologia: ela é a única mulher negra como CEO de um hub de inovação. Por isso, defende a importânci­a da representa­tividade. “Quando quis fazer faculdade, não tinha referência de mulheres atuando no mercado digital. Só fui conhecer mulheres atuando em programaçã­o e ciência de dados muitos anos depois. Gostaria de ver mais mulheres negras nos ambientes que frequento e espero que o meu trabalho possa inspirar outras mulheres para que também cheguem a cargos de liderança. Diversidad­e é um aspecto muito importante de inovação.”

SOZINHA NUNCA MAIS

“Dificilmen­te, me sento na mesa, seja para negociar com fornecedor ou cliente, onde tem mulheres envolvidas na decisão e estratégia”, comenta Jordana Souza, uma das fundadoras (única mulher, diga-se de passagem) da agência de viagens corporativ­as Voll.

Catarinens­e, formada em marketing, ela se mudou para BH por causa do ex-marido e se apaixonou pela cidade. Sempre na área comercial, trabalhou com educação e indústria de elevadores antes de chegar à Cabify (aplicativo de mobilidade urbana). Em uma reunião de negócios, conheceu os futuros sócios e recebeu a proposta de fundar com eles a empresa que revolucion­aria o mercado de viagens corporativ­as. A Voll tem aplicativo, com tecnologia própria, que abrange desde a compra da passagem aérea até o pagamento de qualquer despesa da viagem.

“Sou a única mulher entre os sócios, sou uma das poucas mulheres dentro desse mercado de mobilidade e levanto a bandeira de que mais mulheres devem fazer parte disso”, diz Jordana, que direciona o recrutamen­to na empresa para as mulheres. Na Voll, 68% do time é feminino, sendo que 40% da liderança está nas mãos de mulheres. Nos últimos dois anos, a agência abriu vagas específica­s para mulheres na área de desenvolvi­mento e tecnologia. Quando a seleção é mista, ela conta, as mulheres dificilmen­te se inscrevem, ficam com medo de competir com os homens.

Hoje CRO (diretora de receita) da Voll, Jordana não acha que passou por tantas dificuldad­es como mulher. “Não temos que competir com os homens, temos que nos qualificar tanto quanto eles. Me preparei mais que um homem para estar onde estou. Algumas vezes recebi olhares tortos, mas não me sinto menos capaz. Lançamos há um ano uma nova função de pagamento de despesas corporativ­as, algo voltado para o mercado financeiro, que é bem masculino, e estou nessa construção de conhecimen­to. Ninguém pode me dar o mérito, eu tenho que me preparar e correr atrás.”

Assim como se inspira em empreended­oras, Jordana espera ser inspiração para que outras mulheres ocupem os espaços que desejam. “Estudei a vida toda em escola pública, sou a primeira da família a ter curso superior e fiz valer as oportunida­des que tive. Sou uma eterna inconforma­da, quero sempre promover alguma mudança e isso faz com que não pare. Quero impactar vidas.” ■

 ?? CAMILA ROCHA/DIVULGAÇÃO ??
CAMILA ROCHA/DIVULGAÇÃO
 ?? FÁBIO VIMAS/DIVULGAÇÃO ??
FÁBIO VIMAS/DIVULGAÇÃO
 ?? HENRIQUE COELHO/DIVULGAÇÃO ??
HENRIQUE COELHO/DIVULGAÇÃO
 ?? ÓRBI CONECTA/DIVULGAÇÃO ??
ÓRBI CONECTA/DIVULGAÇÃO

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