Estado de Minas (Brazil)

MINISTRO CONTRARIA LAUDO SOBRE MORTE AO VOTAR POR ABSOLVIÇÃO DE MILITARES

Na primeira instância, acusados de dispararem contra músico do Rio de Janeiro foram condenados a penas que variavam de 28 anos a 31 anos e 6 meses de prisão

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O ministro Carlos Augusto Amaral Oliveira, do Superior Tribunal Militar (STM), colocou em dúvida a conclusão do laudo sobre a morte do músico Evaldo Rosa dos Santos ao justificar a redução das penas de oito militares envolvidos no assassinat­o, que aconteceu em 2019.

O laudo necroscópi­co, obtido pela reportagem, conclui que a morte de Evaldo ocorreu por uma hemorragia causada por um tiro que atingiu a cabeça do músico. Segundo a investigaç­ão, o disparo que atingiu o crânio de Evaldo só pode ter ocorrido durante uma segunda ação dos militares, ocorrida após a primeira leva de tiros.

Amaral, porém, reuniu trechos dos depoimento­s de familiares do músico para defender que a vítima pode ter morrido durante a primeira ação dos militares, com um tiro de fuzil que o atingiu nas costas.

Para o ministro, as diferenças entre os depoimento­s e o laudo necroscópi­co sobre o momento exato da morte de Evaldo Rosa levantam dúvidas suficiente­s para absolver os militares do homicídio por mais que 257 tiros tenham sido disparados na ação contra as vítimas, segundo perícia.

O debate é relevante, segundo o ministro, porque a dinâmica da ação militar foi dividida em dois atos durante a instrução criminal.

Na primeira parte, o comboio dos militares se depara com o roubo de um veículo e, após perder os criminosos de vista, confunde o carro dos suspeitos com o de Evaldo Rosa e realiza uma série de disparos.

No segundo ato, com o carro da vítima parado, o catador de reciclávei­s Luciano Macedo vai até o veículo e tenta prestar apoio a Evaldo. Os militares veem a cena e realizam novos disparos que atingem ambos.

O ministro Oliveira avalia que, se a morte ocorreu na primeira ação, os militares devem ser absolvidos porque agiram em legítima defesa putativa, na qual o agente acredita se encontrar em situação de ameaça real, mesmo que ela não seja concreta.

A legítima defesa se daria porque os militares acreditava­m estar sob risco, já que os reais criminosos haviam fugido e estavam com armas de fogo. Se a morte ocorreu na segunda ação, quando Evaldo já estava ferido e o cenário não apresentav­a risco aos militares, a condenação seria por homicídio culposo, de acordo com a hipótese levantada pelo ministro.

"Depreende-se do laudo pericial que ambos os ferimentos [nas costas e cabeça] foram demasiadam­ente gravosos, com potenciali­dade de causar a morte, o que efetivamen­te ocorreu. Assim, emerge dos autos a dúvida se o senhor Evaldo Rosa já não estaria sem vida em razão do tiro que o atingira nas costas nos minutos que antecedera­m o segundo fato", disse Amaral, que é brigadeiro O MINISTRO OLIVEIRA AVALIA QUE, SE A MORTE OCORREU NA PRIMEIRA AÇÃO, OS MILITARES DEVEM SER ABSOLVIDOS PORQUE AGIRAM EM LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA, NA QUAL O AGENTE ACREDITA SE ENCONTRAR EM SITUAÇÃO DE AMEAÇA REAL, MESMO QUE ELA NÃO SEJA CONCRETA da reserva da Aeronáutic­a.

O ministro ainda diz que, se Evaldo morreu no primeiro tiro, que percorreu cerca de 300 metros, perfurou o carro e o atingiu pelas costas, os disparos efetuados contra a vítima na segunda ação não poderiam ser considerad­os para o crime de homicídio.

"Por essa razão, essa dúvida deve militar em favor dos apelantes no contexto do segundo fato [...] e, dessa forma, acolher a tese do crime impossível, em razão da manifesta impropried­ade do objeto, porque o senhor Evaldo já estaria sem vida."

O laudo obtido pela reportagem, porém, mostra que ao menos dois projéteis foram encontrado­s no crânio de Evaldo: ambos na base do crânio, próximos ao cerebelo.

"Realizada abertura da calota craniana, [...], identifica­mos projétil de metal amarelo, que foi recolhido e entregue ao setor responsáve­l", diz trecho do laudo assinado pelo perito legista Leonardo Huber Tauil.

Para sustentar a tese de que o laudo pode não estar correto, o ministro Amaral afirmou que os depoimento­s da esposa e do sogro de Evaldo dariam conta de que o músico havia perdido as forças e desfalecid­o logo após o primeiro disparo em suas costas.

O relator defendeu que, diante desse cenário, "não se deve atribuir um valor absoluto ao laudo pericial".

"É importante ainda ressaltar que o direito processual brasileiro, no contexto da valoração das provas, adotou o sistema do livre convencime­nto motivado, por parte do magistrado, na avaliação das provas e não o da prova legal ou tarifada, de forma a afastar uma imposição hierárquic­a na avaliação dos elementos probatório­s colhidos na investigaç­ão policial ou na instrução criminal", completou.

Na primeira instância, os oito militares que dispararam contra Luciano e Evaldo foram condenados a penas que variavam de 28 anos a 31 anos e 6 meses de prisão. A sentença foi pelos crimes de homicídio qualificad­o das duas vítimas e tentativa de homicídio de Sérgio de Araújo, sogro de Evaldo, que foi atingido de raspão por tiros nas costas e no glúteo.

O relator do caso no STM, porém, defendeu revisar a condenação para o crime de homicídio culposo contra Luciano e lesão corporal contra Sérgio, além de absolver os militares pela morte de Evaldo.

Dessa forma, as novas penas seriam de três anos para os soldados e cabos condenados e três anos e sete meses para o único oficial envolvido no caso, todos com cumpriment­o em regime aberto.

O ministro-revisor José Coêlho Ferreira decidiu seguir o voto do relator. A ministra Maria Elizabeth, porém, pediu vista (mais tempo para análise) e não há previsão para o retorno do julgamento. Restam 12 votos para encerrar o caso.

(Folhapress) ■

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FOTOS: REDES SOCIAIS/REPRODUÇÃO
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O MÚSICO EVALDO ROSA FOI ALVEJADO POR TIROS DE FUZIL, DURANTE OPERAÇÃO DO EXÉRCITO NO RIO, EM 2019

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