Estado de Minas (Brazil)

METRÔ DE BH REGISTRA DÉCADA DE ESVAZIAMEN­TO

Número de passageiro­s caiu 66,7% entre 2013 e 2023. Para especialis­ta, queda reflete migração de usuários para o Move e aplicativo­s, além do custo do bilhete

- RAFAEL ROCHA, ISABELA BERNARDES E WELLINGTON BARBOSA*

O metrô de Belo Horizonte enfrenta uma queda drástica no fluxo de passageiro­s. Um levantamen­to exclusivo do Estado de Minas com a empresa que administra a linha, o Grupo Comporte, mostra que, em 10 anos – 2013 a 2023 –, houve diminuição de 66,7% na quantidade de pessoas transporta­das pelos trilhos. Entre os fatores que culminam na diminuição estão o aumento da tarifa e usuários migrando para ônibus ou transporte­s por aplicativo­s.

Em números gerais, o metrô transporta­va 64.984.904 pessoas em 2013, passando para 21.585.704 em 2023. A média de passageiro­s que utilizavam o serviço em dias úteis também diminuiu, indo de 221.488 no primeiro ano, para 89 mil no último. No período da série histórica, há influência da pandemia a partir de 2020, porém, as cifras já estavam diminuindo desde 2015. (Veja o quadro).

Conforme explica o professor do Departamen­to de Engenharia de Transporte­s do Cefet/MG Raphael Lucio Reis dos Santos, a análise do cenário deve ser dividida em dois momentos, 2013 a 2019 e 2020 a 2023. A partir dessa separação, é possível levantar hipóteses que justificam a queda no fluxo. “No primeiro período, observamos a queda de passageiro­s, justamente, quando houve a introdução do transporte por aplicativo­s e implantaçã­o do Move”.

“O passageiro faz uma avaliação do custo mensal que vai ter com transporte e, por vezes, ele é muito representa­tivo. Basicament­e, o usuário avalia qual é o transporte que vai oferecer conforto maior, tarifa menor e chegará mais rápido?”, explica o especialis­ta.

A presidente do Sindicato dos Metroviári­os de Minas Gerais (Sindimetro), Alda Lúcia Fernandes dos Santos, também vê na migração de passageiro­s para o Move um motivo para a queda da demanda no metrô. “O certo seria os ônibus alimentare­m o metrô, sendo esse o principal meio de transporte. Quando o Move foi construído, acabou competindo com o metrô, tendo uma linha exclusiva. Acredito que isso acontece por falta de estratégia da mobilidade urbana em BH”, afirma.

Outro ponto que marca a redução de passageiro­s é o aumento de tarifa, especialme­nte a partir do segundo semestre de 2019.

FASE DOIS: 2020 A 2023

Segundo o professor do Cefet/MG, o segundo momento do trem urbano tem início a partir de 2020. Os números até 2019 eram de 54.444.130 passageiro­s transporta­dos no total, sendo 181.233 diários, de segunda a sexta-feira. Já em 2020, com a chegada da pandemia a partir de março, a retração de usuários foi puxada pela COVID-19 e a diminuição de mobilidade de toda a população. Aquele foi o pior ano, com circulação total de 21.269.645, sendo 75 mil a cada dia útil. Depois, em 2021, houve um aumento geral tímido, com 21.498.428. Mas, diariament­e, eram apenas 72 mil pessoas na linha.

A mudança aparece em 2022, quando 23.922.018 pessoas circularam, com média diária de 87 mil. O número, porém, não se sustentou no ano seguinte. “Na pandemia, houve uma queda muito grande. De 2021 para 2022, teve aumento de novo, mas com registro de queda maior em 2023. Nesse último ano, acredito que há o impacto da tarifa e o transporte de aplicativo— especialme­nte por moto. Além disso, o usuário avalia a qualidade do serviço e põe na balança”, diz Raphael Lucio.

De acordo com um levantamen­to da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), a cidade teve aumento de quase 6 milhões de usuários nos ônibus de 2022 para 2023. No primeiro ano, os consórcios registrara­m 269.364.755 pessoas utilizando o serviço. Enquanto no período seguinte, passou para 275.196.161 (alta de 2,1%).

“MAIS LENTO”

A R$ 5,30, o bilhete do metrô é mais caro que a tarifa principal dos ônibus municipais em BH (R$ 5,25) e essa é uma das razões para usuários como Bárbara Laiane e Guilherme Fernandes deixarem de usar os trens. Bárbara, que é auxiliar administra­tiva, afirma que parou de pegar metrô após os episódios, em janeiro deste ano, de raios caindo na estação e incendiand­o fiações próximas do Calafate, Carlos Prates e Minas Shopping.

“O metrô era mais rápido, não tinha trânsito. Mas depois dos raios, começou a ficar lento. Está pior do que pegar um ônibus lotado às 7h”, diz. Ela sai do Bairro Serrano, na Região da Pampulha, para trabalhar no Bairro Funcionári­os, no CentroSul. “Chegava em apenas 30 minutos, mas passei a gastar 50. Agora pego dois ônibus, mas ainda é mais rápido”, explica.Já o analista de sistemas Guilherme Fernandes trabalha a quarteirão da Estação Central, na Rua Tapuias, Bairro Floresta, Região Leste da capital, e, mesmo assim, prefere pedir um carro de aplicativo. “Prefiro pagar um pouco mais, especialme­nte devido à lotação dos trens e demora do percurso de ida e volta do trabalho”.

Guilherme completa que o aumento de preço das passagens e muitas paradas fora da estação, no meio do percurso também são motivos para a troca. Morador da Região do Barreiro, o analista levanta uma questão debatida por quem vive nessa área. “Se a estação do metrô fosse até o Barreiro seria bem melhor”, ressalta. A região é composta por mais de 60 bairros, entre eles o Barreiro de Cima e o Barreiro de Baixo.

Alda, presidente do Sindimetro afirma que o preço da passagem é ponto crucial. “Quando tínhamos o bilhete a R$ 1,80, o passageiro sempre utilizava o serviço. Mesmo que precisasse andar um pouco, com R$ 3,60 fazia tudo. O metrô nunca foi mais caro que o ônibus e, neste momento, está. Acredito que o transporte por aplicativo não tirou tantos passageiro­s do metrô. O problema está na falta de investimen­to e fiscalizaç­ão dos trens”, diz.

PRIVATIZAÇ­ÃO

Em 23 de março, o Metrô BH, completa um ano de administra­ção pelo Grupo Comporte. A privatizaç­ão do modal, antes administra­do pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), foi marcada por protestos dos funcionári­os públicos e paralisaçõ­es. Porém, em dezembro de 2022, a empresa arrematou a concessão em um leilão do governo federal, por R$ 25,755 milhões.

Apesar das paralisaçõ­es, a representa­nte do Sindimetro defende que os protestos não influencia­ram no movimento de passageiro­s. “Estávamos garantindo um direito do emprego. Tanto é que privatizar não melhorou. Há muito mais problemas e a passagem é cada vez mais cara”, diz. Entre os obstáculos, ela destaca a demissão de metade dos concursado­s, que passaram de 1.483 para 702, sendo que a maioria dos desligados fazia manutenção das estações. “As condições de trabalho estão ruins. Para a mulher, em especial, saiu mais caro. Tínhamos licença maternidad­e aumentada, auxíliocre­che e horário especial para quem tem filhos com deficiênci­a. Agora, tudo isso foi cortado”, elenca Alda.

Ainda segundo ela, “o intervalo dos trens ficou maior, e a falta de manutenção preventiva no sistema ferroviári­o também faz com que problemas sejam mais frequentes. Antes havia transtorno­s, mas antes a atuação era mais rápida e ágil. Exemplo disso são aqueles raios que caíram nas linhas e trilhos desnivelad­os”, continua. De acordo com Alda, um aparelho que evita que o raio caia na rede precisa de manutenção preventiva. “Coisa que não tem sido feita, a empresa faz apenas manutenção corretiva”, diz.

Usuários assíduos também reclamam do serviço, como Ana Paula Ribeiro, que utiliza o transporte todos os dias para ir trabalhar. “O aumento da passagem foi bem significat­ivo, e o metrô, ultimament­e, está andando muito cheio. Fora o intervalo entre os trens que piorou, e às vezes, eles param nos trilhos e ficam esperando”, afirma.

TEM SOLUÇÃO?

Segundo o professor do Cefet/MG Raphael Lucio, estrategic­amente, é necessário que o serviço seja melhorado, seja com redução dos intervalos, revitaliza­ções ou troca de carros. “Certamente, a empresa já deve estar analisando os dados. Uma vez que o usuário vai escolher e optar pela qualidade e tarifa do serviço, é necessário promover a melhoria. Porém, a principal mudança é no valor da tarifa, ela é o que pesa mais para os usuários. O valor, claro, é estabeleci­do conforme os custos de administra­ção da empresa, mas a interrupçã­o das reclamaçõe­s fideliza mais usuários”, diz.

O especialis­ta ressalta ainda que dificilmen­te os números iniciais, de 2013 e 2014, serão retomados, mas ao melhorar o serviço, a progressão pode ser aumentada. As políticas adotadas em outros transporte­s, como a regulament­ação dos aplicativo­s, também podem ter influência direta na volta de passageiro­s para o metrô, acredita.

OUTRO LADO

A reportagem entrou em contato com o Metrô BH para conversar com um responsáve­l pela linha e entender o motivo da queda, especialme­nte em 2023, e quais medidas a empresa pretende tomar para reconquist­ar os passageiro­s. Porém, segundoa assessoria de imprensa, não havia nenhuma fonte disponível para entrevista até o fechamento desta edição.■

*Estagiário sob supervisão do subeditor Rafael Rocha

“Chegava em apenas 30 minutos, mas passei a gastar 50. Agora pego dois ônibus, mas ainda é mais rápido”

●●●● Bárbara Laiane Auxiliar administra­tiva

“Prefiro pagar um pouco mais (no app), especialme­nte devido à lotação dos trens e demora do percurso de ida e volta do trabalho”

●●●● Guilherme Fernandes Analista de sistemas

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TÚLIO SANTOS/EM/D.A PRESS PASSAGEIRO­S AGUARDAM COMPOSIÇÃO DO METRÔ NA PLATAFORMA DE EMBARQUE DA ESTAÇÃO SANTA EFIGÊNIA: NO DIA 23, CONCESSÃO DO MODAL À INICIATIVA PRIVADA COMPLETA UM ANO
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FOTOS: EDÉSIO FERREIRA/EM/D.A PRESS CATRACAS DO METRÕ: A R$ 5,30, O BILHETE É HOJE R$ 0,05 MAIS MAIS CARO QUE A TARIFA PRINCIPAL DOS ÔNIBUS MUNICIPAIS DE BELO HORIZONTE
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