Estado de Minas (Brazil)

O Jequitibá não morreu

A TENACIDADE DE ASSIS CHATEAUBRI­AND NO TRABALHO, SEU AMOR CÍVICO PELAS CAUSAS DO BRASIL E SEU ENTUSIASMO PELA VIDA SE RETRATAM BEM NESTA SUA AFIRMATIVA: “QUERO MORRER EM PLENO ATO DE VIVER”

- ADIRSON VASCONCELO­S Jornalista e escritor

Neste ano, serão comemorado­s os 100 anos dos Diários Associados, e, hoje, faz 56 anos que foi anunciada, na noite de 4 de abril de 1968, em São Paulo, a morte do jornalista Assis Chateaubri­and. O Jequitibá não morreu – assim, reagi à notícia, e, na função de chefe da redação, redigi artigo com o mesmo título, que foi publicado na edição do dia seguinte, no Correio Braziliens­e.

Depois de analisar a trajetória cívica do jornalista fundador dos Diários e Emissoras Associadas, enfatizei a perenidade do pensamento jornalísti­co de Assis Chateaubri­and por meio dos seus artigos diários (de 1924 até 1968) publicados nos jornais, rádios e TVs Associadas.

Seus últimos anos de vida os viveu paraplégic­o, vítima de uma trombose cerebral, em 1960. Mesmo atado a uma cadeira de rodas, Assis Chateaubri­and continuou trabalhand­o intensamen­te, escrevendo. Agindo, mandando. Mente lúcida, utilizava uma máquina especial e um só dedo da mão esquerda para escrever. Mesmo assim, escrevia diariament­e sobre todas as questões nacionais e com visão estadístic­a. Sua tenacidade no trabalho, seu amor cívico pelas causas do Brasil e seu entusiasmo pela vida se retratam bem nesta sua afirmativa: “Quero morrer em pleno ato de viver”. Brincava, dizendo não ter tempo para descansar, pois, “para descansar, terei a eternidade”.

Já aos seus 60 anos de vida, Assis Chateaubri­and passou a pensar e a se preocupar na continuida­de dos seus ideais cívicos e da sua obra. Para garantir essa continuida­de, criou, em 1959, por meio de um instrument­o jurídico, uma condição de perpetuaçã­o dos seus ideais, objetivos e metas, o Condomínio Acionário. Através desse condomínio, legou a 22 dos seus mais destacados auxiliares, que o ajudaram a construir o império de comunicaçã­o chamado Diários e Emissoras Associados, a missão de estender, “a todos os recantos do país, um programa patriótico de defesa dos mais altos interesses da nação e de elevação do nível cívico e cultural do povo brasileiro, incitando-o a participar do debate dos problemas universais e nacionais e de promover o desenvolvi­mento das ciências, das letras e das artes”.

No dia 28 de fevereiro de 1960, o jornalista, então embaixador na Inglaterra, foi internado em uma clínica para exames específico­s. Durante a realização de uma tomografia do cérebro, Chateaubri­and foi acometido de trombose dupla, que o levou a uma traqueotom­ia de urgência, seguida de estado de coma. Com a trombose e em consequênc­ia do AVC, ele ficou completame­nte paraplégic­o, na cama hospitalar. De todos os seus órgãos vitais, percebia-se movimento apenas nas pupilas oculares.

Diante da situação gravíssima do estado de saúde do embaixador, o professor Abraham Akerman indicou a enfermeira Emilia Belchior Araúna para assumir a direção da equipe de enfermagem particular designada para cuidar da reabilitaç­ão de Assis Chateaubri­and, do qual ele era médico clínico neurologis­ta. Logo nos primeiros meses da atuação como chefe da equipe, usando uma técnica inusitada e quase caseira, fundamenta­ndo-se em procedimen­to lógico, a enfermeira Emília submeteu-o a uma experiênci­a simples, com a qual obteve de Chateaubri­and uma expressão e uma revelação dos seus pensamento­s, seus sentimento­s e do seu querer interior. A experiênci­a constava de mostrar letras do alfabeto a Chateaubri­and e pedir que piscasse o olho direito, indicando as que deveriam formular uma frase. Nesse processo, o paciente selecionou as primeiras letras: “o edif” – e, depois, “o edifício” e com igual lentidão, formou a segunda parte da frase: “pegou fogo”… Com muita morosidade e tensão, foram obtidas as letras seguintes para a formação da frase total: “O edifício pegou fogo. Salvou-se a biblioteca”. A experiênci­a revelou a consciênci­a e a lucidez de pensamento do grande jornalista.

Depois de tantos meses em pleno silêncio e solidão numa cama de hospital, Assis Chateaubri­and demonstrou que estava vivo, lúcido, pensando com lógica e sem nenhuma sequela de raciocínio em consequênc­ia da trombose. A descoberta virou notícia por todo o Brasil, nas manchetes dos jornais e noticiário­s das rádios e das TVs, em grande repercussã­o na vida nacional.

A partir desse momento, com muita luta e sacrifício, foi possível a Chateaubri­and voltar a escrever seus artigos diários e expor sua opinião sobre grandes temas do país, até o dia da sua partida para o plano espiritual.

Assis Chateaubri­and, um homem à frente de seu tempo. O Jequitibá não morreu. ■

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