O tecnofeudalismo entra em cena, na volta dos bobos em sua corte
Em 2020, Elon Musk tuitou: “Vamos dar golpe em quem quisermos. Lide com isso!” Bolivianos haviam acabado de assistir ao seu presidente eleito, Evo Morales, ser obrigado a renunciar por um golpe de estado. Ao sabor dos interesses das empresas de olho no chamado “Triângulo do Lítio”, que tem parte substancial naquele país. A frase ajudou a insuflar a oposição boliviana a virar o jogo e a restaurar a democracia poucos meses depois, com a eleição e posse de Luis Arce. Musk decididamente é um gênio para tramoias tecnofeudais. Consegue obter vastos investimentos públicos para as suas empresas privadas. Mas, como ator político, tem a dimensão de um CEO da Havan. Aquele senhor que se vestia de verde-e-amarelo e parecia um papagaio de pirata de Jair Bolsonaro. Ao contrário do que acham os analistas, tais figuras caricaturais têm um efeito positivo na política: personificam a classe dominante, em nome da qual várias personagens centrais da política trabalham. Associar Bolsonaro ao senhor da Havan, depois da aparição deste na cena política, ficou mais fácil do que associar Bolsonaro à “elite mercantil” brasileira. O conflito capital e trabalho escala rapidamente para a arena política, quando figuras assim aparecem. O perigo da invisibilidade é o que trava a consciência daqueles que insistem em defender interesses que não são os seus.
Elon Musk e Hang são personagens benéficas aos interesses daqueles que nada têm na vida real, mas defendem justo o interesse daqueles que tudo têm na vida material. Quem mencionasse, há poucos meses, a morte do capitalismo e o advento do tecnofeudalismo, mesmo em rodas de inteletuais, seria considerado lunático. A nova realidade mundial ainda era assunto tratado apenas em livros acadêmicos e restrita a alguns pensadores no mundo. Mesmo nos circuitos empresariais mais sofisticados, isso é conversa recente. Nem os dados das bolsas americanas, que marcam uma brutal e inédita concentração de peso das chamadas big techs, de até 80% nos seus índices, servem para provar aos incrédulos que estamos diante de uma fase pós-capitalista e pós mercado.
Nesse particular, as esquerdas têm mais resistência aos novos conceitos e à nova lógica do que a direita. A extrema direita se valeu dela, até então de forma impune. Deitou e rolou nas ondas das fake news, amplificadas pelos algoritmos das big-techs. Criou personagens tão caricaturais e ainda os mantém, como Bolsonaro, quanto fantasmagóricos, como os generais de 8 de janeiro. Agora, para todos, começa a ficar claro que essas marionetes têm alguns senhores por detrás. A nova política era e ainda é a política das big techs. Nela, o que vale é a desordem, a ausência de leis, a vida social desregrada, porque para elas o que vale não é a União e o estado democrático de direito, o bem-estar social. Querem o conflito, a divisão, a violência porque o que querem são os recursos, no caso de Musk, recursos públicos, para sua interlink e recursos naturais, para fabricar as suas baterias de sua empresa de carros elétricos. Dividir sempre foi imperar. Musk, talvez cansado de esperar por suas incompetentes marionetes, resolveu chutar o “pau da barraca” e adentrar ao centro do circo. A arena política brasileira agradece. A invisibilidade do tecnofeudalismo foi quebrada. Temos um Luciano Hang em cena. Novinho em folha... os próximos capítulos prometem. O STF também... Como dizia aquele velho pensador: “Nada como um novo bobo para despir um rei invisível”.