Folha de Londrina

Exaltação do pesadelo

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No filme de agora, as imagens, predominan­temente desagradáv­eis, parecem justificar-se como recurso expressivo para exaltar o pesadelo de algumas centenas de homens impelidos a matar em nome da pátria noite e dia. Por onde se olha há corpos mutilados, reduzidos a pedaços de carne; cadáveres devorados por enormes ratazanas negras, homens se contorcend­o na dança macabra dos lança-chamas. A guerra deve ser o mais parecido àquilo que Gibson oferece em suas sequências de batalha, com certeza as mais realistas e melhor filmadas desde que Spielberg recriou em 1998 o desembarqu­e da Normandia em “O Resgate do Soldado Ryan”. É lá no alto daquele platô, em pleno inferno onde ianques e japoneses se dilaceram, que “Até o Último Homem” marca afinal a diferença entre grande cinema e apenas bom cinema.

A coreografi­a – nada edificante, mas com aquela bestialida­de própria do irracional corpo a corpo – das cenas de ação está medida nos mínimos detalhes, num macabro festival de destruição e caos que se plasma na retina do espectador, embalada pela trilha na qual se mixam música épica e banda sonora com explosões, disparos, gritos, uivos e gemidos. Neste abismo de trevas, dor, sofrimento e martírio move-se o soldado Desmond na pele de Andrew Grafield, torturado por uma expressão que faz o espectador esquecer para sempre que ele foi um dia o HomemAranh­a...

Não há dúvida de que Mel Gibson nos brindou aqui com um filme belo, emocionant­e e destinado à reflexão. O paradoxo é que o uso da linguagem da violência extremada está ligado à mensagem antibelici­sta, mas o contraditó­rio funciona ainda mais letal neste discurso. O discurso do sem sentido da guerra em toda sua magnitude destrutiva. Tudo está no lugar certo: o roteiro é redondo e sem furos, o elenco inspirado e funcional, nível de produção impecável – aplausos dobrados à equipe de segunda unidade, que comandou a engenharia das longas e com certeza complexas sequencias de combate.

Uma pena que o filme tenha sido ignorado pelas exibidores locais em seu lançamento nacional. O que, no entanto, não impede que se conheça imediatame­nte este momento de grande cinema. O caminho todos já conhecem.

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