Folha de Londrina

A sutileza do amor é um luxo

“O Rei de Havana”, romance mais radical de Pedro Juan Gutiérrez, recebe nova edição

- Marcos Losnak Especial para a Folha2

“Oser humano se acostuma com tudo. Se todos os dias nos derem uma colherada de m..., primeiro a gente reage, depois a gente mesmo pede ansiosamen­te a colherada de m... e faz de tudo para comer duas colheradas e não só uma.”

Essa frase traz uma espécie de síntese de “O Rei de Havana”, o romance mais radical do escritor cubano Pedro Juan Gutiérrez. A capacidade do ser humano em se acostumar e se adaptar a qualquer coisa pode chegar próximo do absurdo. E, invariavel­mente, necessita de uma válvula de escape. Qualquer que seja.

“O Rei de Havana” volta às livrarias essa semana numa segunda edição lançada pela editora Alfaguara. A primeira edição saiu 17 anos atrás pela editora Companhia das Letras. Além de ser uma síntese da literatura de Pedro Juan Gutiérrez, trata-se da obra mais desalentad­ora, e ao mesmo tempo erótica, do escritor.

Narra a história de Rey, um garoto de 13 anos que vive com a mãe, a avó e o irmão numa num imundo e caótico apartament­o de Havana. Na miséria do cotidiano, numa tarde ensolarada, o garoto assiste o irmão matar a mãe, assiste o irmão se matar e assiste a avó morrer de ataque cardíaco.

Em choque, Rey não consegue explicar à polícia os acontecime­ntos passa a ser considerad­o suspeito das mortes e é internado num reformatór­io de delinqüent­es mirins. Ao completar 16 anos consegue fugir do lugar e começa a perambular pelas ruas de Havana vivendo de mendicânci­a, bicos e pequenos furtos.

Vagando pelas suas conhece Magda, uma mulher de 28 anos que vive como ele, na penúria suprema mas livre para o que aparecer pela frente. Juntos, vivem uma relação pautada pelo sexo. Sexo próximo do animalesco, instinto puro. O amor que experiment­am, aquele que conseguem viver, é bruto, carnal, rude e árido. As sutilezas do amor é um luxo que os dois não conhecem. Um tipo de amor fadado a terminar em sangue, lixo, excremento­s, ratos e urubus.

Essa é a válvula de escape proposta por Pedro Juan Gutiérrez diante da miséria: o sexo. A intensidad­e sexual passa a funcionar como uma compensaçã­o para todo tipo de miséria, seja ela material, social ou moral. E esse não é apenas o retrato desenhado para os personagen­s, mas para o próprio país, Cuba.

Claro que nisso tudo há um tom burlesco, uma das caracterís­ticas da literatura de Gutiérrez, mas a brutalidad­e dos acontecime­ntos caminha para a degradação desconcert­ante. Uma degradação tanto física quanto moral. Em alguns momentos da narrativa o burlesco e a brutalidad­e se agarram num beco imundo para a sintomátic­a troca de fluídos e secreções.

Pedro Juan Gutiérrez nasceu em 1950 e ainda vive em Havana. Seus livros não são publicados em seu país, mas é um dos autores cubanos contemporâ­neos mais conhecidos mundo afora. No Brasil foram publicados “Trilogia Suja de Havana” (Cia. das Letras, 1999), “Animal Tropical” (Cia. das Letras, 2002), “O Insaciável Homem-Aranha” (Cia. das Letras, 2004), “O Ninho da Serpente” (Cia. das Letras, 2005) e “Fabián e o Caos” (Alfaguara, 2016).

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Pedro Juan Gutiérrez: história de ”O rei de Havana” é pautada pelo amor, o sexo e a miséria
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