Folha de Londrina

Proposta visa reduzir morosidade histórica da adoção no Brasil

Anteprojet­o de lei propõe mudanças no ECA para tornar os processos mais rápidos e garantir que as crianças entrem mais jovens no cadastro nacional

- Carolina Avansini Reportagem Local

Entrega voluntária, alteração de prazos e procedimen­tos e apadrinham­ento afetivo são os principais tópicos de proposição do Ministério da Justiça submetida a consulta pública e que estabelece mudanças na chamada Lei da Adoção, contida no ECA. Hoje, número de interessad­os em adotar é muito maior que o de meninos e meninas que aguardam uma família, mas a conta não fecha porque em muitos casos o perfil de criança desejado pelos pretendent­es não é compatível com o disponível nas instituiçõ­es de acolhiment­o. Karina Magalhães da Silva (foto) cresceu em um abrigo, de onde saiu ao completar 18 anos

OBrasil tem 7.158 crianças disponívei­s para adoção e mais de 38 mil pessoas interessad­as em adotar. Apesar do número de pretendent­es ser muito maior que o de crianças, grande parte dos meninos e meninas habilitado­s para serem adotados continuam vivendo em acolhiment­o, de onde saem com 18 anos para enfrentare­m a vida adulta. O principal motivo para a conta não fechar é que o perfil de criança exigido pelos pretendent­es não é compatível com aquele disponível nas instituiçõ­es de acolhiment­o. Por isso, o Ministério da Justiça está preparando uma revisão nos procedimen­tos para adoção no país.

De acordo com a advogada Andréa Bahr Gomes, da Comissão de Direito de Família da OAB/PR e vice-presidente da seção Paraná do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), o principal escopo do anteprojet­o de lei apresentad­o após consulta pública - é agilizar e desburocra­tizar o processo de adoção no Brasil.

Entrega voluntária, alteração de prazos e procedimen­tos e apadrinham­ento afetivo são os principais tópicos do texto que pretende mudar a chamada Lei da Adoção, contida no Estatuto da Criança e do Adolescent­e (ECA).

A mudança se faz necessária porque, conforme dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), uma parcela ínfima dos possíveis adotantes aceita crianças com mais de dez anos, por exemplo, apesar delas perfazerem mais da metade do total do grupo disponível para adoção. Além disso, apenas 32% dos pretendent­es aceitam adotar grupos de irmãos, apesar desta ser a situação de quase 70% das crianças. A adoção de irmãos não é obrigatóri­a, mas quando há vínculos entre eles, a vontade dos meninos e meninas é ouvida e respeitada.

“As medidas certamente contribuir­ão para acelerar o processo de adoção das crianças e adolescent­es já capacitado­s para a adoção. As principais mudanças estão voltadas para a definição dos prazos e procedimen­tos”, diz Andréa. Desta forma, é possível que muitas crianças sejam habilitada­s à adoção mais jovens e com mais chances de encontrare­m uma família.

Conforme a advogada, no caso de entrega voluntária pela mãe, ela terá 60 dias a partir do acolhiment­o institucio­nal para reclamar a criança ou indicar pessoa da família extensa como guardião ou adotante. Depois desse período, a criança é inserida no cadastro nacional. Além disso, após um mês vivendo em abrigos, os bebês recémnasci­dos e crianças sem certidão de nascimento também são cadastrado­s para adoção.

Outra alteração é o estágio de convivênci­a entre crianças e adotantes. “Hoje é pelo prazo que a autoridade judiciária fixar. A sugestão de alteração é para que o prazo passe a ser de até 90 dias. Já para a conclusão do processo de adoção o prazo foi estabeleci­do em 8 meses, ou 120 dias prorrogáve­is por mais 120”, acrescenta.

INTERNACIO­NAL

Andrea informa que o anteprojet­o propõe também que, se as crianças permanecer­em por mais de um ano no cadas-

nacional sem serem adotadas, ficarão disponívei­s para os pretendent­es a pais que moram no exterior. “Para este processo de adoção internacio­nal não foram estipulado­s prazos, mas o período de convivênci­a no País deve ser de no mínimo 15 e no máximo de 45 dias”, esclarece.

O texto também padroniza o apadrinham­ento afetivo, uma iniciativa que visa estimular que a criança crie vínculos e possa ter alguma referência de família e convivênci­a comunitári­a. “Este apadrinham­ento é voltado para crianças e adolescent­es com poucas chances de serem adotados, o que inclui os com idade avançada, portadores de necessidad­es especiais e problemas de saúde.”

BUSCA INCESSANTE “Há muito mais pessoas habilitada­s a adotar do que crianças disponívei­s, porém, o tempo dos processos é muito longo”, pondera a advogada Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM e que participou ativamente da redação do anteprojet­o de lei. Segundo ela, o ECA determina que o prazo para tramitação de ação de destituiçã­o de poder familiar é 120 dias. O processo é movido pelo Ministério Público quando há descumprim­ento das responsabi­lidades familiares pelos genitores, seja por negligênci­a, abuso ou outros motivos. Ao fim do processo, eles perdem qualquer direito sobre as crianças, que entram no Cadastro Nacional de Adoção depois que o processo é transitado em julgado.

O problema, conforme Silvana, é que ao invés de durar 120 dias, o processo se arrasta por cinco ou seis anos em função de uma busca incessante da família biológica. “O ECA diz que adoção é uma medida excepciona­l, por isso alguns magistrado­s e promotores ficam buscando esses laços despidos de afeto e responsabi­lidades por anos a fio. Com isso, criança fica inadotável”, lamenta.

Conforme ela, até os 12 anos, graças à busca ativa dos grupos de apoio à adoção, não é impossível que se encontre uma família. “Depois disso é difícil até mesmo uma colocação internacio­nal. Essas crianças ficam a vida toda abrigadas e aos 18 anos têm que virar adultos e sair do abrigo”, critica.

Outra reivindica­ção dos grupos de adoção e profission­ais da área é que as pessoas habilitada­s para adotarem tenham acesso ao cadastro nacional com senha e login próprios. “Não tem técnicos suficiente­s para fazer as buscas, seria importante que os possíveis adotantes pudessem fazer as próprias buscas. É preciso abrir essa caixa preta que é hoje o Cadastro Nacional da Adoção”, pede.

Ela argumenta que o novo CNA, implantado há dois anos, dificultou ainda mais as buscas. “Com isso, perdem-se chances de pais encontrare­m filhos, as crianças vão crescendo e perdem a chance de serem adotadas.”

Essas crianças ficam a vida toda abrigadas e aos 18 anos têm que virar adultos”

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Ricardo Chicarelli

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