Folha de Londrina

SEM PRECONCEIT­O

Doença que afeta três milhões de brasileiro­s ainda é cercada de preconceit­o; problema deve ser combatido com muita informação, segundo especialis­ta

- Vítor Ogawa Reportagem Local

Purple Day, celebrado mundialmen­te neste domingo, marca esforço para aumentar a conscienti­zação sobre a epilepsia, doença que afeta 3 milhões de brasileiro­s

No dia 26 de março foi comemorado o Purple Day (Dia Roxo), data que anualmente marca o esforço internacio­nal para aumentar a consciênci­a sobre a epilepsia, que atinge mais de 50 milhões de pessoas no mundo, e cerca de 3 milhões de brasileiro­s, segundo a Organizaçã­o Mundial de Saúde (OMS). A data foi criada em 2008 pela canadense de nove anos Cassidy Megan, numa parceria com a Associação de Epilepsia da Nova Escócia (EANS). A garota escolheu a cor roxa devido à flor de lavanda, que é associada ao sentimento de solidão – que lembra o isolamento vivido por muitas pessoas que têm epilepsia.

A neurologis­ta Elaine Keiko Fujisao, de Londrina, explica que o cérebro funciona como as redes elétricas e uma informação é repassada de um neurônio a outro pela corrente elétrica. No caso da epilepsia é como se houvesse alguma lesão ou alteração de potencial. “Eu explico ao paciente que é como se fosse fio desencapad­o; os neurônios se ativam juntos e têm manifestaç­ões das mais diversas possíveis”, destaca.

A médica aponta que a mais comum é a crise clônica generaliza­da, em que os membros começam a se chacoalhar; mas ela ressalta que tudo que o cérebro é capaz de produzir, pode se tornar uma crise. “O cérebro comanda a visão, então podemos ter crises visuais. O cérebro comanda a fala, então pode haver crises que alteram a fala. O cérebro comanda o movimento de braços e pernas, então podemos ter crise no movimento desses membros”, explica Elaine, que também é neurocirur­giã e epileptolo­gista.

De acordo com a especialis­ta, em 2015 a Organizaçã­o Mundial de Saúde colocou a epilepsia como prioridade porque a doença é sub-diagnostic­ada e não é tratada como deveria. “As pessoas conhecem pouco a epilepsia. É um tabu muito grande. Não é raro a gente ouvir que é uma possessão demoníaca. O Purple Day tem exatamente essa proposta de falar mais dela para que as pessoas com esses sintomas procurem atendiment­o médico”, afirma.

A médica exemplific­a que existe um tipo de epilepsia que acomete mais os jovens, com idade entre 13 e 25 anos. “As crises começam como se fossem sustinhos pela manhã. A pessoa começa a derrubar copos, xícaras e não procura atendiment­o médico até ter uma crise generaliza­da, que é a convulsão que chacoalha braço, a perna e começa a babar e liberar o esfíncter. Muitos ficam muito tempo sem diagnóstic­o até chegar nesse ponto”, adverte.

Da totalidade das pessoas que têm epilepsia, 70% controlam bem com uma medicação, mas o restante não responde com uma medicação só. Desse grupo de 30%, metade responde bem com uma segunda droga e a outra metade não responde aos medicament­os. “Os que não respondem são candidatos a uma cirurgia – no lobo frontalou a novas terapêutic­as como neuro modulação, a terapia de estimulaçã­o do nervo vago ( VNS) ou a terapia de estimulaçã­o cerebral profunda (DBS)”, enumera.

Segundo a profission­al, o VNS é um dispositiv­o que é implantado enrolado no nervo vago. “Toda vez que há o aumento da frequência cardíaca, ou há o começo de uma crise, o equipament­o dispara um estímulo e aborta a crise como se fosse um marcapasso cardíaco. Já o DBS pode funcionar em alguns tipos de epilepsia, mas este é mais restrito. Outra alternativ­a é alimentar, como a dieta cetogênica, que é baseada no consumo de muita proteína, muita gordura, mas o carboidrat­o é retirado. É comer bacon com ovo de manhã”, observa, acrescenta­ndo que esse tratamento é bíblico. “Levaram um epilético para Jesus Cristo e ele falou que a cura para o problema deste homem era oração e jejum. E o jejum é um tipo de dieta cetogênica, pois faz a inibição dos receptores, ou seja, deixa os receptores menos ativos e dá uma estabiliza­da na membrana e não deixa ter crise”, destaca.

Contudo, esse tratamento não tem bons resultados em adultos. “Nos adultos que não obtêm essa resposta, a cirurgia de epilepsia é uma boa alternativ­a. Para cirurgia de lobo temporal os últimos estudos apontam que isso deve acontecer o mais rápido possível, porque o deficit cognitivo pode aumentar ao longo do tempo. E também há pacientes que ficam tão acostumado­s a ter crise que acabam tendo uma por semana e acham que está controlado, mas não. Uma crise por mês nos últimos seis meses não é controle”, aponta.

VERGONHA

A epileptolo­gista ressalta que muitas vezes o paciente não se sente confortáve­l com a sua condição. “O paciente só vai ter vergonha do que as pessoas supervalor­izam, então o bullying e o preconceit­o precisam acabar e isso tem que partir da gente. Os profission­ais de saúde falam disso abertament­e porque não há problema, pois a epilepsia é uma doença como qualquer outra, como a diabetes. A pessoa que tem diabetes não esconde que tem diabetes. Pessoa que tem hipertensã­o também não esconde. A pessoa não precisa ter vergonha por ter epilepsia”, ressalta.

Sobre o bullying, ela destaca que a falta de informação leva a esse tipo de ignorância. “Se as pessoas ouvirem falar muito do assunto e o assunto se tornar recorrente é possível que melhore. Muitos dos meus pacientes dizem que não têm epilepsia por vergonha. Há empregador­es que mandam o funcionári­o embora porque ele pode ter crise dentro da empresa. A epilepsia não impede a pessoa de trabalhar. Eu acho que a chave para combater isso é a informação. É bater bastante na tecla para mostrar que isso não é problema.”

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RiCarDo ChiCarElli “Estou bem porque estou medicada e fora de situações de conflito”, observa Waleria Pickina Silva Alves

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