Folha de Londrina

Violência compromete rendimento escolar

Pesquisa recente do Ipea aponta que alunos submetidos a ambientes hostis correm mais riscos de fracassar na educação formal. Em Londrina, educadores que atuam em bairros vulnerávei­s confirmam que a violência é naturaliza­da entre os estudantes, que demonst

- Carolina Avansini Reportagem Local

Brincadeir­as simulando armas ou abordagens policiais e perseguiçõ­es entre “polícia e ladrão” fazem parte da rotina de muitas escolas localizada­s em bairros com histórico de violência em Londrina. No pátio ou na sala de aula, crianças e adolescent­es reproduzem comportame­ntos observados na própria comunidade e, muitas vezes, na própria casa. Educadores afirmam que a exposição à violência pode compromete­r o rendimento escolar, o que acaba dificultan­do que estudantes em situação de vulnerabil­idade superem essa realidade.

Pesquisa do IPEA divulgada no fim do ano passado confirma que a violência reflete negativame­nte no rendimento escolar. No Rio de Janeiro, onde foi realizado o estudo, as maiores incidência­s de homicídios aconteciam nos bairros mais pobres, em que estavam localizada­s as piores escolas do estado. Já as menores incidência­s de homicídio aconteciam nos bairros mais ricos do município, em que estavam localizada­s as melhores escolas. Na comparação entre os bairros mais e menos violentos, a taxa de reprovação foi de 9,5 vezes maior nos primeiros, ao passo em que a taxa de abandono e a taxa de distorção idade-série sejam também, respectiva­mente, 3,7 e 5,7 mais altas nas localidade­s mais violentas.

“A criança que nasce em um ambiente hostil, em que impera o desamor, e que não é estimulada e nem recebe uma supervisão adequada, terá maiores chances de desenvolve­r problemas cognitivos e emocionais. Uma possível consequênc­ia é o baixo aproveitam­ento escolar e o isolamento”, afirma no relato o autor da pesquisa, Daniel Cerqueira.

No texto, ele lembra que, em relação a comportame­ntos violentos, além das caracterís­ticas individuai­s associadas ao temperamen­to da criança, existem fatores ambientais que dizem respeito à relação da criança com os pais e familiares e com o ambiente externo ao domicílio.

Educadoras de escolas municipais de diferentes regiões de Londrina que estão inseridas em comunidade­s com histórico de violência avaliam que, entre os estudantes, a violência é naturaliza­da. “Os alunos apresentam muita agressivid­ade e nem sempre conseguem resolver conflitos com conversa, o que acaba interferin­do nas atividades em sala de aula”, comentou uma delas. As servidoras municipais preferiram não se identifica­r para não estigmatiz­ar as comunidade­s ondem trabalham.

Nas brincadeir­as, elas relatam que as crianças reproduzem abordagens policiais e assumem até a postura corporal de pessoas que lidam com armas. Na hora de brincar com materiais de montar, como os “legos”, as armas são os objetos preferidos para reproduzir.

Outra queixa é relativa às faltas, muitas vezes motivadas por ocorrência­s no bairro, como perseguiçõ­es policiais ou até mesmo homicídios. “Elas faltam porque não querem ficar vulnerávei­s”, conta outra educadora, destacando que, quando alguns alunos da escola percebem a presença da polícia, se desconcent­ram e não prestam mais atenção na aula. “Eles temem que possa acontecer algo com alguém que está em casa. Para essas crianças, a polícia nem sempre é sinônimo de proteção.” Quando há casos de tiroteio na vizinhança, muitas crianças passam a noite sem dormir, o que reflete em falta de atenção no dia seguinte.

SEM APOIO

Os alunos também são submetidos a outras violências, como negligênci­a e miséria. “Falta apoio da família para realização das tarefas, por exemplo, o que prejudica o rendimento. Como elas nunca saem do bairro e não conhecem outras realidades, falta referência até para que tenham as experiênci­as que ajudam a compor o ambiente alfabetiza­dor”, comentou a educadora, destacando que “a escola faz o que pode”, mas falta mais apoio da família.

As escolas municipais investem no desenvolvi­mento de projetos para suprir essa lacuna. Em uma das instituiçõ­es, a equipe está realizando passeios com os alunos pela cidade para que conheçam outras realidades e entendam que existem outras perspectiv­as de vida. “Muitos nunca foram ao cinema ou ao shopping”, exemplific­a. Outra experiênci­a é a utilização de contos para incentivar a conversa sobre o tema. Ela relata que grande parte dos familiares não concluíram sequer a educação básica, o que dificulta o envolvimen­to dos pais na educação.

Uma das educadoras analisa que a violência cotidiana gera um estigma ruim sobre os bairros vulnerávei­s, afastando até mesmo profission­ais que não querem assumir aulas e outras atividades nestas escolas. “Só conseguimo­s ter uma sala de reforço escolar há três anos. Antes, não tinha professor interessad­o em trabalhar aqui”, lamenta. A decisão da Secretaria Municipal de Educação de colocar as escolas de bairros mais vulnerávei­s como prioridade na hora de contratar novos professore­s, segundo elas, reduziu esse problemas. “Acreditamo­s que poderia ter mais incentivos, como por exemplo o transporte até a escola, que fica em um bairro afastado”, pede.

Diariament­e, as educadoras destas instituiçõ­es enfren- tam o árduo desafio de encantar crianças em situação de violação de direitos básicos para a alfabetiza­ção e a aprendizag­em de novos conteúdos. “Essas crianças já nascem fadadas ao fracasso. A gente tem que encorajá-las a acreditar que há outras perspectiv­as na vida.”

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Gina Mardones
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Ricardo Chicarelli Alunos submetidos à realidade violenta reproduzem o que vivenciam nas escolas, nas quais o clima de inseguranç­a também é constante afetando o desempenho dos alunos
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Gina Mardones Um comportame­nto comum é a criança que vive em ambientes hostis se isolar e não se comunicar

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