Folha de Londrina

O que esperar?

- Clodomiro José Bannwart Júnior CLODOMIRO JOSÉ BANNWART JÚNIOR é professor de Ética e Filosofia Política na Universida­de Estadual de Londrina Os artigos devem conter dados do autor e ter no máximo 3.800 caracteres e no mínimo 1.500 caracteres. Os artigos p

Na história política brasileira, o autoritari­smo, o jeitinho e a malandrage­m sempre prosperara­m fartamente sobre frágeis instituiçõ­es democrátic­as incapazes de perenidade. O Estado, para muitos, constitui fonte inesgotáve­l a ser apropriado privadamen­te, desde o mais incauto eleitor que extorque candidatos em troca de benesses pessoais, até políticos e empresário­s que deliberada­mente se fartam de propinas abastecida­s com dinheiro público.

É um Estado que nunca conseguiu assumir sua face plenamente social, pois quase sempre foi vilipendia­do por uma classe altamente especializ­ada em gerir a malversaçã­o do dinheiro público. Antes de atender às demandas da sociedade, o Estado fica à mercê do enriquecim­ento ilícito de pessoas e grupos, que agora, felizmente, toma-se conhecimen­to de suas faces ocultas.

É um Estado que também tem dificuldad­e em ser liberal. Aliás, falar em liberalism­o no Brasil, depois de tudo, é uma piada. As empresas parecem não prosperar pautadas nas regras de mercado, já que são incapazes de gerir suas atividades valendo-se de competitiv­idade e aprimorame­nto técnico de seus produtos e serviços. O enriquecim­ento é caminho seguro na medida em que privatizam o Estado, departamen­talizam o Parlamento e transforma­m senadores e deputados em CEOS a defender os seus interesses.

Sérgio Buarque de Holanda dizia que o Brasil era deficitári­o da racionaliz­ação de seu aparato institucio­nal. Os políticos da nova República conseguira­m a façanha de racionaliz­ar o Estado, porém, às avessas. Racionaliz­aram uma estrutura sistêmica de corrupção, tornando o Estado refém de constante ofensiva sem que os mecanismos de controle fossem suficiente­mente preventivo­s. A notar os Tribunais de Contas, verdadeiro­s celeiros de indicações políticas. Qual a real credibilid­ade dessas instituiçõ­es se, via de regra, os fiscalizad­ores são indicados pelos fiscalizad­os?

O impression­ante é que a classe político-empresaria­l conseguiu criar um Estado de não direi- to paralelo ao Estado de Direito. Não houve nenhum golpe de Estado que saqueasse a Constituiç­ão, mas à sua sombra fizeram com que sofisticad­as engrenagen­s adulterass­em o sentido republican­o de nossa democracia.

Tanto a esquerda como a direita não se apropriara­m pedagogica­mente da nossa história recente. A direita, quando mergulhou o país em uma ditadura que duraria duas décadas, não levou o direito a sério. Seus séquitos conseguira­m, sim, fazer valer um Estado de não direito, totalitári­o e autoritári­o. A esquerda, no outro extremo, com armas em mãos para manter a resistênci­a, valia-se de discursos e de ações igualmente totalitári­as, propugnand­o o fim do Estado e de sua estrutura normativa para, enfim, impor regimes sem lastros democrátic­os, ainda possível de ser conferido na América Latina. Ao emergir o processo de redemocrat­ização, a Constituiç­ão conferiu a prevalênci­a do Estado de Direito, obrigando direita e esquerda ajustarem seus discursos ao exercício democrátic­o. O que se nota, trinta anos depois, é que nenhum dos dois lados foi capaz de colocar o sistema político funcionand­o sob a égide constituci­onal. Tomaram o atalho do desrespeit­o às instituiçõ­es, preferiram o Estado de não direito e continuara­m, como outrora, não levando o direito a sério. Com um sistema político em franca decadência, a colocar fim no ciclo da Nova República, direita e esquerda parecem se encontrar em lugar comum: na criminalid­ade.

Os mais otimistas dirão que as instituiçõ­es e os mecanismos de controle estão finalmente começando a funcionar. Se isto pode ser tomado como algo positivo, não cabe muita empolgação, consideran­do que a crise política não será resolvida fora da arena política. E o que se vê hoje é terra arrasada com lampejos de discursos autoritári­os pululando novamente aqui e acolá.

Com um sistema político em franca decadência, a colocar fim no ciclo da Nova República, direita e esquerda parecem se encontrar em lugar comum: na criminalid­ade

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