O que esperar?
Na história política brasileira, o autoritarismo, o jeitinho e a malandragem sempre prosperaram fartamente sobre frágeis instituições democráticas incapazes de perenidade. O Estado, para muitos, constitui fonte inesgotável a ser apropriado privadamente, desde o mais incauto eleitor que extorque candidatos em troca de benesses pessoais, até políticos e empresários que deliberadamente se fartam de propinas abastecidas com dinheiro público.
É um Estado que nunca conseguiu assumir sua face plenamente social, pois quase sempre foi vilipendiado por uma classe altamente especializada em gerir a malversação do dinheiro público. Antes de atender às demandas da sociedade, o Estado fica à mercê do enriquecimento ilícito de pessoas e grupos, que agora, felizmente, toma-se conhecimento de suas faces ocultas.
É um Estado que também tem dificuldade em ser liberal. Aliás, falar em liberalismo no Brasil, depois de tudo, é uma piada. As empresas parecem não prosperar pautadas nas regras de mercado, já que são incapazes de gerir suas atividades valendo-se de competitividade e aprimoramento técnico de seus produtos e serviços. O enriquecimento é caminho seguro na medida em que privatizam o Estado, departamentalizam o Parlamento e transformam senadores e deputados em CEOS a defender os seus interesses.
Sérgio Buarque de Holanda dizia que o Brasil era deficitário da racionalização de seu aparato institucional. Os políticos da nova República conseguiram a façanha de racionalizar o Estado, porém, às avessas. Racionalizaram uma estrutura sistêmica de corrupção, tornando o Estado refém de constante ofensiva sem que os mecanismos de controle fossem suficientemente preventivos. A notar os Tribunais de Contas, verdadeiros celeiros de indicações políticas. Qual a real credibilidade dessas instituições se, via de regra, os fiscalizadores são indicados pelos fiscalizados?
O impressionante é que a classe político-empresarial conseguiu criar um Estado de não direi- to paralelo ao Estado de Direito. Não houve nenhum golpe de Estado que saqueasse a Constituição, mas à sua sombra fizeram com que sofisticadas engrenagens adulterassem o sentido republicano de nossa democracia.
Tanto a esquerda como a direita não se apropriaram pedagogicamente da nossa história recente. A direita, quando mergulhou o país em uma ditadura que duraria duas décadas, não levou o direito a sério. Seus séquitos conseguiram, sim, fazer valer um Estado de não direito, totalitário e autoritário. A esquerda, no outro extremo, com armas em mãos para manter a resistência, valia-se de discursos e de ações igualmente totalitárias, propugnando o fim do Estado e de sua estrutura normativa para, enfim, impor regimes sem lastros democráticos, ainda possível de ser conferido na América Latina. Ao emergir o processo de redemocratização, a Constituição conferiu a prevalência do Estado de Direito, obrigando direita e esquerda ajustarem seus discursos ao exercício democrático. O que se nota, trinta anos depois, é que nenhum dos dois lados foi capaz de colocar o sistema político funcionando sob a égide constitucional. Tomaram o atalho do desrespeito às instituições, preferiram o Estado de não direito e continuaram, como outrora, não levando o direito a sério. Com um sistema político em franca decadência, a colocar fim no ciclo da Nova República, direita e esquerda parecem se encontrar em lugar comum: na criminalidade.
Os mais otimistas dirão que as instituições e os mecanismos de controle estão finalmente começando a funcionar. Se isto pode ser tomado como algo positivo, não cabe muita empolgação, considerando que a crise política não será resolvida fora da arena política. E o que se vê hoje é terra arrasada com lampejos de discursos autoritários pululando novamente aqui e acolá.
Com um sistema político em franca decadência, a colocar fim no ciclo da Nova República, direita e esquerda parecem se encontrar em lugar comum: na criminalidade