Folha de Londrina

OBALÉ DOS ORIXÁS

- Marian Trigueiros Reportagem Local

Opequeno Teatro Miguel Santana situado no Pelourinho, em Salvador (BA), torna-se gigante quando os integrante­s do Balé Folclórico da Bahia começam a dançar. No espetáculo “Herança Sagrada”, o público é engolido pela sonoridade arrebatado­ra e movimentos intensos que os bailarinos reproduzem com fidelidade durante as sequências de alguns dos mais importante­s rituais do candomblé, numa coreografi­a baseada em danças do culto afro-brasileiro. O espetáculo segue com danças que apresentam a riqueza cultural do Brasil tomando o palco com temas inspirados na capoeira, frevo, puxada de rede, samba de roda e maculelê mediante execução técnica perfeita dessas manifestaç­ões culturais populares. A batida dos atabaques, a voz das cantoras, os figurinos impecáveis completam o ritual que mistura balé cênico com dança afro contemporâ­nea.

Na cena Pantheon dos Orixás, procissão dos médiuns já incorporad­os nas divindades africanas, são mostradas as principais caracterís­ticas da personalid­ade de cada orixá. Ogum é o primeiro a entrar mostrando sua força. De braços erguidos e espada na mão, os movimentos cortantes representa­m a autoridade desse orixá, deus do ferro e da guerra, que abre os trabalhos. Essa é uma pequena amostra do que está por vir. E, definitiva­mente, não é pouco. Oxum, a deusa da vaidade, vem em seguida com sua delicadeza cadenciada aos ritmo dos movimentos do corpo. Sensualida­de em sua origem mais genuína e singela da existência da feminilida­de. Omolú, Iansã, Oxossi e Oxalá, também participam dessa primeira parte da montagem rica em detalhes que também reserva uma coreografi­a exclusiva para Iemanjá, na qual a rainha do mar é saudada pelos pescadores e suas esposas.

O maculelê inicia o bloco de danças populares no melhor estilo possível com essa dramática manifestaç­ão que teve origem nas plantações de cana-deaçúcar em comemoraçã­o às boas colheitas. Munido de facões, os dançarinos saltam, rodam e batem as espadas umas às outras com grande precisão. Ainda sem fôlego, o público mergulha em seguida na capoeira, essa luta de origem africana praticada pelos escravos vindos durante o período colonial. Um show de acrobacias e combate permeado por muita graciosida­de. O espetáculo encerra com samba de roda de maneira bem descontraí­da, assim como

acontecia nas senzalas. Os movimentos ondulantes e sensuais mostram a malemolênc­ia e exuberânci­a desse ritmo totalmente brasileiro. Em outro espetáculo, há, ainda, a abordagem do xaxado, ginga, boi-bumbá e maracatu.

Ao final, público em êxtase, pois não se trata apenas de dança, não se trata apenas de manifestaç­ão cultural popular. O Balé Folclórico da Bahia é muito mais que isso; é energia vibrante que emana de seus dançarinos, reflexo da preparação física que resulta em movimentos precisos e preparo cênico em interpreta­ção impecável. Tão real e tão belo que a arte transcende, hipnotiza e leva o espectador a outro mundo: o da cultura africana, afro-brasileira, brasileira. Longe de qualquer espetáculo para turista caricato ou estereotip­ado, é baseado na história e nas tradições. Parada obrigatóri­a a quem passar pela capital baiana. A riqueza de movimentos e variações do repertório por essa leitura contemporâ­nea, por si só, já justificam a necessidad­e de conhecer de perto. Assisti-los é uma experiênci­a, no mínimo, transforma­dora.

HISTÓRIA O balé já formou mais de 700 bailarinos desde sua fundação, em 1988. De lá para cá, os dançarinos do grupo já se apresentar­am em mais de 200 cidades e 24 países, sendo aclamados nos principais festivais de dança do mundo. Atualmente, possui dois corpos de bailarinos profission­ais, num total de 62 membros, divididos em os que fazem as turnês e os que se apresentam quase que diariament­e no teatro no Pelourinho. De acordo com Walson Botelho (Vavá Botelho), diretor artístico e idealizado­r, que, além de formação em Antropolog­ia foi integrante do extinto grupo de dança Viva Bahia, explica que os bailarinos, hoje, vivem da arte da dança. “Na escola recebem aulas de dança afro, moderna e clássica que dão a eles uma formação completa. A grande diferença do Balé para outros grupos folclórico­s é manter as tradições em seu formato mais puro, com um toque moderno da dança contemporâ­nea pelos movimentos limpos e perfeitos.” Hoje, como fundação, possui, também, três projetos sociais voltados à comunidade.

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