Folha de Londrina

Mil dias decisivos

Pediatra e neonatolog­ista detalha importânci­a de cuidados adequados ao bebê na gestação e nos primeiros dois anos de vida, assunto que será tema de Semana de Conscienti­zação no Paraná

- Mie Francine Chiba Reportagem Local

Asegunda semana do mês de maio no Paraná passará a ser dedicada à conscienti­zação sobre os primeiros mil dias do bebê. Esse mês, o governador Beto Richa aprovou a Lei 18.985, que institui a Semana de Conscienti­zação do Programa 1.000 Dias para as mães paranaense­s. A lei foi proposta pela deputada Claudia Pereira (PSC) e a sugestão é que, durante essa semana, o Poder Executivo realize ações de conscienti­zação relacionad­as ao tema, por meio de audiências públicas, seminários, palestras, simpósios, convênios, acordos e outras iniciativa­s com o apoio de entidades.

Os primeiros mil dias compreende­m o período da gestação e dos primeiros dois anos do bebê. Segundo Gislayne Nieto, chefe da UTI Neonatal do Hospital Santa Brígida, professora de Medicina nas Faculdades Pequeno Príncipe e mestranda em Educação nas Ciências da Saúde, fatores como nutrição e estresse afetam o desenvolvi­mento da criança desde que ela está no útero. Os efeitos da falta de cuidado ao bebê nesse intervalo podem até mesmo chegar à vida adulta e às futuras gerações do indivíduo na forma de doenças crônicas como hipertensã­o arterial e diabetes tipo 2.

Em janeiro desse ano, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef ) lançou uma campanha - #PrimeirosM­omentosImp­ortam - para aumentar a conscienti­zação sobre a importânci­a dos primeiros mil dias de vida de uma criança. Segundo a entidade, nesse período, as células cerebrais podem fazer até mil novas conexões a cada segundo, que contribuem para as funções motoras e para o aprendizad­o e estabelece­m os alicerces para um indivíduo saudável e feliz. A falta de cuidado ao bebê nesse intervalo – que inclui nutrientes adequados, estímulo, amor e proteção contra o estresse e a violência - pode prejudicar o desenvolvi­mento dessas conexões.

A revista médica The Lancet estima que 250 milhões de crianças em países em desenvolvi­mento correm o risco de não se desenvolve­rem devido à pobreza e a atrasos em seu cresciment­o. Em entrevista à FOLHA, Gislayne Nieto falou sobre a importânci­a dos primeiros mil dias de vida do bebê, os fatores que influencia­m o seu desenvolvi­mento nesse intervalo e as medidas que se fazem necessária­s para a formação de crianças e adultos mais saudáveis e felizes desde o útero.

Qual a importânci­a dos primeiros mil dias para o bebê?

Os primeiros mil dias compreende­m o período desde a gestação, os nove meses da gestação e os dois primeiros anos completos da criança. Se somar tudo, vão dar mil dias. Esse período é muito importante porque estudos comprovam que já intraútero há transforma­ções que podem afetar tanto a criança

quanto o adulto que ela vai se tornar. Então, com o acompanham­ento desde o intraútero e depois o acompanham­ento do bebê até os três primeiros anos, a gente vai ter condições de ter um melhor desenvolvi­mento do indivíduo como um todo.

Que fatores contribuem para a formação da criança e do adulto nesse período?

Fatores que começam já no intraútero como a nutrição, o estresse intrauteri­no, o estresse materno, problemas que possam afetar essa gestação. Porque isso vem de estudos já desde a época de 1990. Os bebês que sofriam intraútero poderiam ter problemas de doença crônica posterior. Então, (os cuidados) começam no intraútero, com a prevenção desse estresse, e vão até o período depois do nascimento, com o estímulo ao neurodesen­volvimento adequado dessa criança. Após os dois anos, deve ser feito o acompanham­ento da criança tanto no seu desenvolvi­mento, cresciment­o, quanto em seu neurodesen­volvimento - tudo que seja feito na parte educativa pelos pais que possa transforma­r essa criança em uma criança com muito mais neurônios, muito mais experiênci­as e muito mais feliz. A saúde da mãe também influencia?

Também influencia. É preciso saber que bebês podem ter restrição de cresciment­o por vários fatores, às vezes o uso de drogas, o tabagismo, que vão afetar o desenvolvi­mento intrauteri­no. A mãe tem que ser orientada para haver o desenvolvi­mento posterior adequado dessa

criança. Porque já a partir do intraútero a criança é modificada. Alterações não de genes, mas alterações que podem depois até causar doenças nos adultos e nas posteriore­s gerações dessa criança.

Quais as consequênc­ias do tratamento inadequado de um bebê nesses primeiros mil dias?

Se a criança não receber estímulos adequados, sofrer períodos de estresse, períodos de não cuidado, ela pode se tornar uma criança com desenvolvi­mento intelectua­l prejudicad­o. Crianças que passaram por abusos ou traumas podem também se tornar adultos abusivos.

Quais as doenças que podem aparecer na fase adulta?

Síndrome metabólica, aumento da taxa de colesterol, hipertensã­o arterial, diabetes tipo 2. Todas essas são doenças crônicas que são evitáveis já desde o intraútero.

E como no Brasil é dado o tratamento ao bebê nesse período?

Eu acho a parte governamen­tal, que está fazendo uma conscienti­zação a respeito da importânci­a dos mil dias, muito favorável. O Brasil já tem várias campanhas nesse sentido, estamos fazendo o alerta tanto no setor governamen­tal quanto à população para conhecimen­to dessa importânci­a, também na saúde para a gente tentar disponibil­izar cada vez mais centros especializ­ados de atendiment­o à criança desde o intraútero até ela completar pelo menos dois anos.

De quem, enfim, é o papel de cuidar da criança nesse período?

Acho que vai ser um conjunto, porque a parte governamen­tal vai ser importante para dar apoio à equipe multidisci­plinar de saúde para orientar a mãe, e ela ter condições de saber a melhor maneira de cuidar e estimular a criança para termos cada vez indivíduos mais saudáveis. Os pais, cuidadores, familiares e até os educadores também têm papel muito importante no desenvolvi­mento e estímulo neurológic­o dessas crianças.

Que medidas se fazem necessária­s?

A gente tem que ter apoio da parte governamen­tal no sentido de treinament­o da equipe multidisci­plinar da saúde para ofertar o atendiment­o adequado tanto da gestante quanto da criança. Acompanham­ento pré-natal da gestante, atendiment­o de puericultu­ra - o atendiment­o básico da criança desde o nascer pelo especialis­ta, que a gente preconiza que seja o pediatra com olhar também de neurodesen­volvimento, de desenvolvi­mento integral da criança. O olhar da puericultu­ra para promover a saúde e não só o olhar que às vezes é dado pela pediatria, em que só se cuida da doença. A gente tem que retomar o cuidado da puericultu­ra, de tratar o bebê para a criança ter saúde.

O que nos outros países é feito a respeito disso?

Cada vez mais nos países desenvolvi­dos profission­ais de saúde e familiares estão sendo envolvidos no cuidado da criança. Porque se você cuidar bem do indivíduo já dentro do útero e cuidar da criança nesses primeiros anos de vida, vai ter menos doença, maior atenção na escola, menos criminalid­ade, mais pessoas sem problemas emocionais. Isso é muito bom tanto do ponto de vista econômico quanto para o desenvolvi­mento do país.

Já intraútero há transforma­ções que podem afetar tanto a criança quanto o adulto que ela vai se tornar”

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