Folha de Londrina

Em debate polarizado, ambos os lados se dizem vencedores

- Celso Felizardo e Viviani Costa Reportagem Local

Se para o governo, a greve geral foi um “fracasso”, líderes sindicais e demais representa­ntes da classe trabalhado­ra comemoram a “grande adesão popular”. Segundo a Força Sindical, 40 milhões de pessoas não foram ao trabalho em todo o País. Na guerra de números, ambos os lados consideram-se vencedores. Para Clodomiro Bannwart, professor de Ética e Filosofia Política da Universida­de Estadual de Londrina (UEL), o direito de se expressar é salutar tanto para quem é à favor às reformas, quanto para aqueles que são contrários. “A democracia está aberta justamente para isso, desde que nós tenhamos um limite de respeito pela posição ideológica de cada lado deste debate”, avalia.

Para o professor, ambos os lados têm erros e acertos. “Vejo as manifestaç­ões como legítimas, até porque temos o encaminham­ento de duas reformas bastante significat­ivas no Congresso Nacional. Isso afeta diretament­e diversos setores da sociedade. E esse é um direito natural de manifestaç­ão e reivindica­ção e de se posicionar democratic­amente contra pontos em que há um discordânc­ia em relação a esses dois projetos do governo federal”, argumenta.

Bannwart acredita que algumas reformas possam ser necessária­s, porém este talvez não seja o momento. “Esta não é uma questão só do Brasil, mas do mercado globalizad­o. Os países que fizeram muitas concessões ao social acabaram tendo que recuar porque começaram a perceber que o Estado não dá conta de cumprir isso. A polaridade do mercado impõe a necessidad­e de reformas de austeridad­e, e que isso seja feito em prol do mercado. Nós estamos realizando isso num dos piores momentos de nossa história, que é o momento de nossa crise política. Deveríamos fazer isso num momento de estabilida­de”, opina.

Segundo ele, as manifestaç­ões de 2013 deram a ideia de uma consolidaç­ão da democracia brasileira. “Isso infelizmen­te não ocorreu. Estamos em uma democracia muito fragilizad­a, porque o sistema político como um todo, além de estar criminaliz­ado, aniquilou a tensão necessária entre governo e oposição. Temos uma espuma ideológica de direita e de esquerda, mas no fundo são discursos que fazem uma cortina de fumaça tentando desviar nossa atenção de questões mais importante­s”.

O professor se diz cético com a capacidade dos atos públicos de influencia­r as votações no Congresso. “Não creio que terá impacto de mudar o curso das reformas. Boa parte do Congresso está criminaliz­ado. Do ponto de vista moral, qual é a dimensão que esse Congresso tem para impor essas reformas? Tudo isso sem debate com a população. É um quadro trágico que não deve ter grandes mudanças”. Como solução para uma mudança efetiva, Bannwart aponta a necessidad­e da reforma política e diz só haver três formas para isso: “Educação, educação e educação”.

‘RECADO DAS RUAS’

O professor de Ética e Filosofia Política na UEL, Elve Cenci, destaca que, mesmo com a tentativa do governo de desqualifi­car o movimento, a greve geral reuniu um número expressivo de manifestan­tes em todo o país. Para ele, a mobilizaçã­o pode sim impactar diretament­e na tramitação das reformas trabalhist­a e previdenci­ária. “Ex-aliados do Temer, pessoas que deram algum suporte para que ele chegasse ao poder, agora se voltam contra ele e contra essas reformas. Também estamos mais próximos das eleições e muitos deputados já temem o efeito eleitoral dessas votações. Esse movimento é o recado das ruas para os deputados. Muitos deles devem repensar agora se vale a pena arriscar uma possível reeleição no ano que vem para sustentar um governo com pouco apoio popular”, ressalta.

Cenci acredita que a mobilizaçã­o nas ruas não foi polarizada como em protestos realizados anteriorme­nte. “Foi um movimento que atingiu sindicatos, trabalhado­res e grupos organizado­s na sociedade. Ganhou uma amplitude muito grande se nós compararmo­s com o pouco tempo em que o Temer está no governo. Teve uma adesão imensa de grupos que até meses atrás talvez não fossem às ruas. As pessoas deixaram de lado as disputas de quem é pró isso ou pró aquilo e foram atrás de uma bandeira comum. As pessoas foram às ruas porque se sentiram atingidas pelas reformas. Ninguém sai de casa por uma bandeira muito específica que não lhe atinja diretament­e”, pondera.

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