Folha de Londrina

O pequeno adorador

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Há poucas coisas mais tristes do que uma igreja fechada. Penso no livro “A Estrela Sobe”, de Marques Rebêlo, em que a protagonis­ta, depois de fazer um aborto, busca o perdão de Deus em uma igreja, mas encontra as portas do templo trancadas e ninguém para abri-las. Ontem, mesmo em dia de “greve geral”, muitas igrejas acolheram normalment­e os fiéis. De manhã, às seis e meia, houve missa na capela do Colégio Mãe de Deus, celebrada pelo Padre Paulo Ricardo (ilustre visitante de Cuiabá) juntamente com o nosso querido Padre Antonio Fiori.

A missa começou calma e solene, ao som do órgão e dos cânticos. Não pude estar presente, porque Rosângela precisava ir trabalhar e eu teria de ficar com o Pedro, mas rezei o terço na mesma hora. Sexta-feira é dia dos mistérios dolorosos: agonia no Getsêmani, flagelação, coroação de espinhos, subida do Calvário e morte na cruz. Um dia para meditar sobre a dor. Há tempos li em algum lugar que a principal função da dor é evitar a dor maior. Sem a Paixão de Cristo naquela antiga sexta-feira, não haveria a redenção da humanidade, e estaríamos mergulhado­s na dor eterna e absoluta, sem esperança.

No momento mais solene da missa, em que o Padre fazia a consagraçã­o do pão e do vinho, um menino muito pequeno decidiu ajoelhar-se. Minha amiga Vera Specian, embora também estivesse ajoelhada, não resistiu e fotografou a cena. Por um breve momento, lembrei-me de Irmã Mariavirgo, que cuidava das crianças do jardim da infância, nos anos 30 e 40. Lá do Céu, ela deve ter visto a mesma cena.

Não sabemos o nome do menino. Vamos chamá-lo simplesmen­te de “o pequeno adorador”. Aquela criança ajoelhada diante do Corpo de Cristo representa aquilo tudo que os poderes deste mundo tentam negar a qualquer preço: a alegria, a família, a humildade, a piedade, a confiança, a entrega, o temor de Deus, o amor a Deus, a intimidade com Deus. É a imagem de tudo que há de mais precioso em nossas vidas.

Ortega y Gasset dizia que as únicas ideias realmente importante­s na vida são aquelas que você não abandona mesmo quando está se afogando no meio do mar, agarrado a um pedaço de madeira. São as ideias do náufrago. Se tudo na vida falhar, há uma reduzidíss­ima quantidade de coisas que você continuará valorizand­o, ainda que esteja a um minuto da morte. Para mim, o pequeno adorador na capela do Mãe de Deus simboliza exatamente isso.

Nós estamos precisando urgentemen­te ser simples,

Em nome do menino ajoelhado, eu peço: — Abram as igrejas!

autênticos e humildes como o pequeno adorador. Vejo naquele menino a síntese do que ainda existe de bom, belo e verdadeiro na realidade; uma síntese que corremos o risco de perder se nos agarrarmos às nossas próprias sombras projetadas na parede da caverna. O caminho, a verdade e a vida estão muito próximos do menino ajoelhado diante de Deus. Por isso eu peço: — Por favor, abram as igrejas!

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Vera Regina Specian

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