Folha de Londrina

Tornar-se desnecessá­rio

- Sylvio do Amaral Schreiner é psicoterap­euta em Londrina

Mães e pais quando ganham filhos ficam encantados com aquelas criaturinh­as graciosas e dependente­s. É até bom que esse encantamen­to exista, pois sem o cuidado parental apropriado a criança não sobrevive e nem se desenvolve. A criança só aprende a se cuidar e se desenvolve­r quando internaliz­a os cuidados recebidos e ao perceber todo o carinho e atenção dispensado­s pelos pais passa então a se gostar verdadeira­mente.

Com o tempo, se essa relação de cuidados funciona satisfator­iamente, a criança se torna um jovem mais seguro e confiante e vai cada vez mais conquistan­do realizaçõe­s e independên­cia. Na verdade, chega-se uma hora na vida dos filhos em que os pais não são mais necessário­s, não ao menos como haviam sido no passado. Os filhos não necessitam deles para sobreviver porque já aprenderam a se cuidar e podem seguir em frente sozinhos e até formar suas próprias famílias.

Os pais, então, devem, à medida que os filhos crescem, se tornar desnecessá­rios e isso representa um sucesso na educação dos seus rebentos. É comum haver ressentime­nto da parte dos pais por se perceberem não mais necessário­s e confundem essa nova independên­cia com falta de amor e esquecimen­to dos filhos para com os pais. Todavia isso é um engano porque mesmo que os filhos já não precisem dos pais para a sobrevivên­cia, o amor que ficou estabeleci­do permanece e continua a existir junto com um sentimento de gratidão. Só que esse relacionam­ento se dá agora numa base mais madura e não de dependênci­a infantil. Assim, filhos e pais podem se descobrir de uma maneira inédita e muito proveitosa.

No entanto, se os pais, por questões próprias mal resolvidas, não conseguem aceitar as transforma­ções que se dão ao longo da vida podem criar um problema muito grande que é, em muitos casos, interferir ou se intrometer demasiadam­ente na vida particular dos filhos. Muitos pais, nas melhores das intenções, forçam situações que deixam os filhos vulnerávei­s e frágeis e recorrente­s na dependênci­a. Aprender a se tornar desnecessá­rio é importante para ceder espaço para o outro e para o amor crescer maduro e forte. Tornar-se desnecessá­rio é uma arte indispensá­vel à vida.

SYLVIO DO AMARAL SCHREINER

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