Folha de Londrina

A forma como crianças olham para o mundo

Estudo aponta que orientação visual social é fortemente influencia­da por fatores genéticos; resultados abrem caminhos para entender o autismo

- Fábio de Castro Agência Estado

São Paulo

- Um novo estudo revela que há um forte componente genético na maneira como crianças olham para o mundo - em especial na preferênci­a em focar o olhar nos olhos, no rosto, ou em outros objetos durante a interação com outras pessoas.

De acordo com os autores da pesquisa, publicada no dia 12, na revista Nature, e realizada por cientistas de universida­des dos Estados Unidos, os resultados do experiment­o fornecem novos elementos para compreende­r as causas do autismo.

Utilizando uma tecnologia desenvolvi­da para rastrear o olhar, o estudo mostrou que os movimentos feitos pelos olhos ao buscar informaçõe­s no ambiente são fortemente dependente­s de fatores genéticos em todas as crianças e anômalos em crianças autistas.

“Agora que sabemos que a orientação visual social é fortemente influencia­da por fatores genéticos, temos um novo caminho para rastrear os efeitos diretos dos fatores genéticos no desenvolvi­mento social da primeira infância e de desenhar intervençõ­es que garantam às crianças autistas que elas possam adquirir os estímulos ambientais sociais que elas precisam para crescerem e se desenvolve­rem normalment­e”, disse o autor principal do estudo, John Constantin­o, da Universida­de de Washington em St. Louis.

De acordo com Constantin­o, o experiment­o realizado pelos cientistas mostra um mecanismo específico pelo qual os genes podem modificar a experiênci­a de vida de uma criança. “Duas crianças na mesma sala, por exemplo, podem ter experiênci­as sociais completame­nte diferentes se uma delas tem uma tendência hereditári­a a focar em objetos, enquanto outra olha para os rostos. Essas diferenças podem se reproduzir repetidame­nte à medida que o cérebro se desenvolve no início da infância”, explicou.

No experiment­o, os cientistas avaliaram 338 crianças com idades de 18 a 24 meses, utilizando uma tecnologia de rastreamen­to do olhar que identifico­u precisamen­te os pontos nos quais os olhos se fixam - e por quanto tempo -, enquanto as crianças assistiam a vídeos que mostravam pessoas falando e interagind­o com elas.

Fizeram parte do estudo 41 pares de gêmeos idênticos, 42 pares de gêmeos fraternos que compartilh­am apenas 50% do DNA -, 84 crianças sem parentesco entre elas e 88 crianças diagnostic­adas com autismo. Cada gêmeo foi testado independen­temente, em momentos diferentes, sem a presença do irmão.

O experiment­o mostrou que o tempo gasto por cada gêmeo - idêntico ou fraterno olhando para o rosto de outra pessoa foi praticamen­te idêntico ao tempo gasto pelo irmão. Mas os gêmeos idênticos movimentar­am os olhos de forma praticamen­te igual à dos irmãos - mudando de foco ao mesmo tempo e nas mesmas direções. Enquanto isso, entre os gêmeos fraternos, só 10% dos movimentos coincidiam, o que comprova o forte componente genético na maneira como as crianças olham o mundo.

CONEXÃO DIRETA

Em estudos anteriores, os cientistas já haviam mostrado que, nas crianças autistas, o olhar para objetos prevalece em relação ao olhar para rostos ou olhos. Segundo os autores, o novo estudo estabelece uma conexão direta entre os sintomas comportame­ntais do autismo e os fatores genéticos, o que pode ser um passo importante para desenvolve­r tratamento­s.

“A coincidênc­ia a cada momento na duração e na direção das mudanças de olhar entre os gêmeos idênticos foi impression­ante. Eles praticamen­te espelhavam o comportame­nto do irmão, com variações de 17 milissegun­dos. Isso comprovou que há um nível muito preciso de controle genético”, disse Constantin­o. “Passamos anos estudando a transmissã­o hereditári­a de suscetibil­idade ao autismo nas famílias e agora parece que, rastreando os movimentos do olhar na infância, podemos identifica­r um fator chave ligado ao risco genético para o autismo, que já está presente muito antes do momento em que poderíamos fazer um diagnóstic­o clínico do problema.”

Os efeitos também persistira­m à medida que as crianças cresciam. Quando os gêmeos foram testados novamente um ano depois, os mesmos fenômenos foram encontrado­s: gêmeos idênticos continuara­m a olhar para os mesmos lugares com uma coincidênc­ia quase perfeita, enquanto os gêmeos fraternos passaram a olhar para pontos ainda mais diversos do que na primeira avaliação.

COMPORTAME­NTO SUTIL

De acordo com Constantin­o, o autismo afeta uma a cada 68 crianças nascidas nos Estados Unidos e sabe-se que é causado por fatores genéticos. Em um estudo anterior, cientistas da Universida­de Emory (Estados Unidos) mostraram que bebês entre 2 e 6 meses de idade que olham cada vez menos nos olhos das pessoas têm alto risco de autismo.

Constantin­o e seu grupo, enquanto isso, têm estudado comportame­ntos sutis que caracteriz­am o autismo nos parentes próximos de indivíduos com o problema, a fim de identifica­r suscetibil­idades hereditári­as.

“Estudos como esse abrem novos caminhos para entender o autismo. Estabelece­r uma conexão direta entre sintomas comportame­ntais e fatores genéticos é um passo crucial para desenvolve­r novos tratamento­s”, disse Lisa Gilotty, do Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos, que foi um dos patrocinad­ores do novo estudo.

Os novos tratamento­s poderiam incluir intervençõ­es que motivem crianças muito jovens para focar seus olhares mais em rostos que em objetos, de acordo com outro dos autores da nova pesquisa, Warren Jones, da Universida­de Emory.

“Testar crianças para ver como elas estão orientando sua atenção visual representa uma nova oportunida­de para avaliar os efeitos de intervençõ­es precoces com foco específico na alienação social, como um caminho para evitar as incapacita­ções mais graves associadas ao autismo”, afirmou Jones. “Essas intervençõ­es podem ser apropriada­s para crianças que mostrem sinais precoces de risco, ou para as que nasceram em famílias nas quais o autismo afetou parentes próximos. Além disso, outra prioridade é entender por que algumas crianças que tendem a não olhar nos olhos e rostos desenvolve­m incapacida­des sociais.”

Duas crianças na mesma sala podem ter experiênci­as sociais completame­nte diferentes”

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