Deltan sobre investigações: ‘Puxam-se penas e vêm granjas inteiras’
O coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, fala dos ataques e da tentativa de enfraquecer a operação, das delações e do fim do foro privilegiado
de receber mais delegados para a Lava Jato.
Curitiba - “Grande parte da classe política (está) à espreita, aguardando apenas uma boa oportunidade para se livrar do risco de prisão.” A afirmação é de Deltan Dallagnol, coordenador da forçatarefa da Operação Lava Jato. De acordo com o procurador, as reações de políticos acuados pelas investigações vêm de três formas: a tentativa do governo de enfraquecer instituições, como a Polícia Federal, ataques aos instrumentos de investigação, como a colaboração premiada, e o esvaziamento das punições, com propostas de anistia. Essa, a “mais descarada”.
Na última quarta-feira (12), dia em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi condenado a 9 anos e seis meses de prisão, pelo juiz federal Sérgio Moro, Dallganol recebeu a reportagem, no QG da Lava Jato, em Curitiba, para uma entrevista exclusiva.
Na sala de reuniões da força-tarefa, onde são negociadas as delações premiadas da Lava Jato, Dallagnol falar dos ataques à operação, a carga de trabalho por vir, sobre a necessidade do fim do foro privilegiado e da necessidade de apoio popular para que o escândalo Petrobras não siga o mesmo destino da Operações Mãos Limpas, na Itália.
Leia os principais trechos da entrevista:
A Lava Jato em Curitiba acabou ou caminha para o fim?
Existe um mundo de corrupção para ser investigado. Puxam-se penas e não vêm apenas galinhas, mas granjas inteiras. O número de fases da operação diminuiu em 2017, mas isso não decorre da falta de matéria-prima ou de linhas de investigação e sim de outros fatores, como da falta de mão de obra na Polícia Federal. Além disso, muitas frentes de investigação esbarraram no foro privilegiado e hoje uma parte da energia de nossa equipe é investida em semear outras investigações país afora. Quando se faz um acordo de colaboração como o da Odebrecht, são investidos meses de trabalho que permitem revelar milhares de crimes, mas apenas uma parcela disso fica em Curitiba.
Há muito o que se investigar no escândalo Petrobras?
Há centenas de pessoas sob investigação e novas linhas de trabalho não param de surgir. Há áreas da Petrobras em que a apuração ainda está amadurecendo, como a de comunicação e a de serviços terceirizados. A equipe suíça está em pleno vapor e investiga mais de mil contas e menos de metade desse material foi encaminhado ao Brasil. O crescimento dos pedidos de cooperação internacional da Lava Jato de 183, em março, para 279, hoje, mostra a intensificação do intercâmbio para a produção de provas. Há todos os desmembramentos da Odebrecht que ficaram em Curitiba - só aí perto de 50 investigações. Inúmeras ações cíveis contra a corrupção estão pendentes, inclusive contra partidos políticos.
O fim de um grupo específico da Lava Jato na PF prejudica as apurações?
No governo atual, enquanto a força-tarefa de procuradores cresceu, a Lava Jato na Polícia Federal foi sufocada. Basta ver que só uma das últimas 6 fases da Lava Jato partiu da polícia. O número de delegados foi reduzido para menos de metade e isso fez com que o núcleo de trabalho que se dedicava exclusivamente à investigação fosse dissolvido. A dissolução acaba com a especialização do conhecimento, o que prejudicará a eficiência e os resultados. Além disso, impede o controle social sobre o quanto a equipe está ou não estruturada e se está investindo para que as apurações avancem.
Veja-se que, recentemente, num período de dez dias, a Lava Jato recuperou quase R$ 1 bilhão, quando a regra é que investigações no Brasil não recuperem nenhum centavo. Se queremos que corruptos respondam pelos crimes e o dinheiro volte pra sociedade, é preciso manter os esforços de investigação.
A polícia se comprometeu a reestruturar o grupo de trabalho exclusivo, mas isso depende
A Lava Jato vive a fase mais atribulada com o avanço das investigações contra políticos?
Apenas a delação da Odebrecht colocou sob suspeita quase um terço dos senadores e dos ministros e quase metade dos governadores. Vemos grande parte da classe política à espreita, aguardando apenas uma boa oportunidade para se livrar do risco de prisão. A reação vem de três formas. A primeira é o enfraquecimento das instituições. Exemplo disso é o sufocamento da Polícia Federal. Tentouse isso também por meio de projetos de abuso de autoridade que abrem a porteira para a punição de autoridades que agem dentro da lei. A segunda é um ataque aos instrumentos de investigação, como a colaboração premiada. A terceira é a mais descarada, o esvaziamento das punições, que se tentou com o projeto da anistia. Eles não vão parar. É preciso que a sociedade continue os parando.
A Lava Jato criou um Estado de Exceção?
Só no sentido de que a responsabilização dos corruptos é uma exceção no Brasil. Os réus da Lava Jato têm os melhores advogados, as decisões da Lava Jato são questionadas em três tribunais independentes e ainda assim há uma avalanche de decisões confirmando a regularidade das investigações. A verdade é que se queremos um País onde impere a lei, um verdadeiro Estado de Direito, os poderosos devem responder por seus atos. Contudo, injustiças históricas e arraigadas não serão rompidas sem uma gritaria dos poderosos.
O foro privilegiado vai acabar no Brasil?
Torcemos que o projeto aprovado no Senado, que restringe o foro a poucas pessoas no País, seja examinado logo pela Câmara, mas duvido que isso aconteça por razões óbvias. Além disso, aguardamos ansiosamente que o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, devolva para votação o julgamento que tende a restringir a extensão do foro privilegiado. Essa é a melhor chance.
As delações premiadas, que sustentaram a expansão da Lava Jato, vive seu momento de ataques mais agudos. As delações não vão parar?
Existe uma longa fila de candidatos à colaboração. Os acordos continuam e continuarão sendo um mecanismo da investigação. Jamais como um ponto de chegada, mas como um ótimo ponta pé inicial.
O que o delator precisa fazer para obter imunidade total numa investigação?
A delação segue uma lógica negocial. Se bate à porta uma pessoa que jamais foi investigada e informa ter provas de crimes muito graves e totalmente novos, mas condiciona sua colaboração à imunidade, uma decisão precisa ser tomada. É melhor punir os demais criminosos e ressarcir a sociedade, dando imunidade ao colaborador, ou não punir ninguém? Para se entender um acordo, devese ter em mente qual era a alternativa que cada parte tinha à celebração do acordo. A regra é que os benefícios dados ao colaborador devem ser os mínimos possíveis dentro do que a negociação permita alcançar.
Muitos setores que antes apoiavam a Lava Jato, desembarcaram ou mesmo mudaram de lado. O senhor sente que as investigações foram usadas para ajudar a destituir o governo Dilma?
Quando os investigados são políticos, seus oponentes passam a fazer uso político dos fatos descobertos. A recente condenação de Lula é um exemplo. Correligionários alegaram que não há provas e opositores afirmaram que há provas abundantes. Você acha que a maior parte deles está realmente preocupada com qual é a verdade sobre os crimes julgados? Já as investigações são técnicas, imparciais e apartidárias. O único compromisso do Ministério Público e do Judiciário é com a justiça, mas não há como impedir o uso político das informações e provas.
O cenário atual fez a Lava Jato ficar mais perto ainda da Mãos Limpas?
Na Mãos Limpas, surgiu uma pauta política de projetos de lei contra a corrupção, mas os políticos habilmente a substituíram por uma pauta contra supostos abusos dos procuradores e juízes. Vimos isso acontecer aqui, quando foram votadas as 10 Medidas Contra a Corrupção, as quais foram desfiguradas e substituídas por um projeto supostamente contra abusos de autoridade, mas que na prática dificulta a investigação legítima de pessoas poderosas. Além disso, na Itália se avançou para esvaziar as investigações e as punições. Ou a sociedade dobra os corruptos, ou os corruptos continuarão colocando o País de joelhos.