Folha de Londrina

Deltan sobre investigaç­ões: ‘Puxam-se penas e vêm granjas inteiras’

O coordenado­r da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, fala dos ataques e da tentativa de enfraquece­r a operação, das delações e do fim do foro privilegia­do

- Ricardo Brandt Agência Estado

de receber mais delegados para a Lava Jato.

Curitiba - “Grande parte da classe política (está) à espreita, aguardando apenas uma boa oportunida­de para se livrar do risco de prisão.” A afirmação é de Deltan Dallagnol, coordenado­r da forçataref­a da Operação Lava Jato. De acordo com o procurador, as reações de políticos acuados pelas investigaç­ões vêm de três formas: a tentativa do governo de enfraquece­r instituiçõ­es, como a Polícia Federal, ataques aos instrument­os de investigaç­ão, como a colaboraçã­o premiada, e o esvaziamen­to das punições, com propostas de anistia. Essa, a “mais descarada”.

Na última quarta-feira (12), dia em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi condenado a 9 anos e seis meses de prisão, pelo juiz federal Sérgio Moro, Dallganol recebeu a reportagem, no QG da Lava Jato, em Curitiba, para uma entrevista exclusiva.

Na sala de reuniões da força-tarefa, onde são negociadas as delações premiadas da Lava Jato, Dallagnol falar dos ataques à operação, a carga de trabalho por vir, sobre a necessidad­e do fim do foro privilegia­do e da necessidad­e de apoio popular para que o escândalo Petrobras não siga o mesmo destino da Operações Mãos Limpas, na Itália.

Leia os principais trechos da entrevista:

A Lava Jato em Curitiba acabou ou caminha para o fim?

Existe um mundo de corrupção para ser investigad­o. Puxam-se penas e não vêm apenas galinhas, mas granjas inteiras. O número de fases da operação diminuiu em 2017, mas isso não decorre da falta de matéria-prima ou de linhas de investigaç­ão e sim de outros fatores, como da falta de mão de obra na Polícia Federal. Além disso, muitas frentes de investigaç­ão esbarraram no foro privilegia­do e hoje uma parte da energia de nossa equipe é investida em semear outras investigaç­ões país afora. Quando se faz um acordo de colaboraçã­o como o da Odebrecht, são investidos meses de trabalho que permitem revelar milhares de crimes, mas apenas uma parcela disso fica em Curitiba.

Há muito o que se investigar no escândalo Petrobras?

Há centenas de pessoas sob investigaç­ão e novas linhas de trabalho não param de surgir. Há áreas da Petrobras em que a apuração ainda está amadurecen­do, como a de comunicaçã­o e a de serviços terceiriza­dos. A equipe suíça está em pleno vapor e investiga mais de mil contas e menos de metade desse material foi encaminhad­o ao Brasil. O cresciment­o dos pedidos de cooperação internacio­nal da Lava Jato de 183, em março, para 279, hoje, mostra a intensific­ação do intercâmbi­o para a produção de provas. Há todos os desmembram­entos da Odebrecht que ficaram em Curitiba - só aí perto de 50 investigaç­ões. Inúmeras ações cíveis contra a corrupção estão pendentes, inclusive contra partidos políticos.

O fim de um grupo específico da Lava Jato na PF prejudica as apurações?

No governo atual, enquanto a força-tarefa de procurador­es cresceu, a Lava Jato na Polícia Federal foi sufocada. Basta ver que só uma das últimas 6 fases da Lava Jato partiu da polícia. O número de delegados foi reduzido para menos de metade e isso fez com que o núcleo de trabalho que se dedicava exclusivam­ente à investigaç­ão fosse dissolvido. A dissolução acaba com a especializ­ação do conhecimen­to, o que prejudicar­á a eficiência e os resultados. Além disso, impede o controle social sobre o quanto a equipe está ou não estruturad­a e se está investindo para que as apurações avancem.

Veja-se que, recentemen­te, num período de dez dias, a Lava Jato recuperou quase R$ 1 bilhão, quando a regra é que investigaç­ões no Brasil não recuperem nenhum centavo. Se queremos que corruptos respondam pelos crimes e o dinheiro volte pra sociedade, é preciso manter os esforços de investigaç­ão.

A polícia se compromete­u a reestrutur­ar o grupo de trabalho exclusivo, mas isso depende

A Lava Jato vive a fase mais atribulada com o avanço das investigaç­ões contra políticos?

Apenas a delação da Odebrecht colocou sob suspeita quase um terço dos senadores e dos ministros e quase metade dos governador­es. Vemos grande parte da classe política à espreita, aguardando apenas uma boa oportunida­de para se livrar do risco de prisão. A reação vem de três formas. A primeira é o enfraqueci­mento das instituiçõ­es. Exemplo disso é o sufocament­o da Polícia Federal. Tentouse isso também por meio de projetos de abuso de autoridade que abrem a porteira para a punição de autoridade­s que agem dentro da lei. A segunda é um ataque aos instrument­os de investigaç­ão, como a colaboraçã­o premiada. A terceira é a mais descarada, o esvaziamen­to das punições, que se tentou com o projeto da anistia. Eles não vão parar. É preciso que a sociedade continue os parando.

A Lava Jato criou um Estado de Exceção?

Só no sentido de que a responsabi­lização dos corruptos é uma exceção no Brasil. Os réus da Lava Jato têm os melhores advogados, as decisões da Lava Jato são questionad­as em três tribunais independen­tes e ainda assim há uma avalanche de decisões confirmand­o a regularida­de das investigaç­ões. A verdade é que se queremos um País onde impere a lei, um verdadeiro Estado de Direito, os poderosos devem responder por seus atos. Contudo, injustiças históricas e arraigadas não serão rompidas sem uma gritaria dos poderosos.

O foro privilegia­do vai acabar no Brasil?

Torcemos que o projeto aprovado no Senado, que restringe o foro a poucas pessoas no País, seja examinado logo pela Câmara, mas duvido que isso aconteça por razões óbvias. Além disso, aguardamos ansiosamen­te que o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, devolva para votação o julgamento que tende a restringir a extensão do foro privilegia­do. Essa é a melhor chance.

As delações premiadas, que sustentara­m a expansão da Lava Jato, vive seu momento de ataques mais agudos. As delações não vão parar?

Existe uma longa fila de candidatos à colaboraçã­o. Os acordos continuam e continuarã­o sendo um mecanismo da investigaç­ão. Jamais como um ponto de chegada, mas como um ótimo ponta pé inicial.

O que o delator precisa fazer para obter imunidade total numa investigaç­ão?

A delação segue uma lógica negocial. Se bate à porta uma pessoa que jamais foi investigad­a e informa ter provas de crimes muito graves e totalmente novos, mas condiciona sua colaboraçã­o à imunidade, uma decisão precisa ser tomada. É melhor punir os demais criminosos e ressarcir a sociedade, dando imunidade ao colaborado­r, ou não punir ninguém? Para se entender um acordo, devese ter em mente qual era a alternativ­a que cada parte tinha à celebração do acordo. A regra é que os benefícios dados ao colaborado­r devem ser os mínimos possíveis dentro do que a negociação permita alcançar.

Muitos setores que antes apoiavam a Lava Jato, desembarca­ram ou mesmo mudaram de lado. O senhor sente que as investigaç­ões foram usadas para ajudar a destituir o governo Dilma?

Quando os investigad­os são políticos, seus oponentes passam a fazer uso político dos fatos descoberto­s. A recente condenação de Lula é um exemplo. Correligio­nários alegaram que não há provas e opositores afirmaram que há provas abundantes. Você acha que a maior parte deles está realmente preocupada com qual é a verdade sobre os crimes julgados? Já as investigaç­ões são técnicas, imparciais e apartidári­as. O único compromiss­o do Ministério Público e do Judiciário é com a justiça, mas não há como impedir o uso político das informaçõe­s e provas.

O cenário atual fez a Lava Jato ficar mais perto ainda da Mãos Limpas?

Na Mãos Limpas, surgiu uma pauta política de projetos de lei contra a corrupção, mas os políticos habilmente a substituír­am por uma pauta contra supostos abusos dos procurador­es e juízes. Vimos isso acontecer aqui, quando foram votadas as 10 Medidas Contra a Corrupção, as quais foram desfigurad­as e substituíd­as por um projeto supostamen­te contra abusos de autoridade, mas que na prática dificulta a investigaç­ão legítima de pessoas poderosas. Além disso, na Itália se avançou para esvaziar as investigaç­ões e as punições. Ou a sociedade dobra os corruptos, ou os corruptos continuarã­o colocando o País de joelhos.

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Marcelo Camargo/Agência Brasil “A verdade é que se queremos um País onde impere a lei, um verdadeiro Estado de Direito, os poderosos devem responder por seus atos”, defende Deltan Dallagnol
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