Folha de Londrina

Poder público e políticas habitacion­ais

- Wilson Francisco Moreira

O BNH, antigo responsáve­l pela política nacional de habitação foi extinto em 1986, e de lá até 2008 a habitação social permaneceu relegada a uma posição subalterna na agenda das políticas sociais. Enquanto isso, os problemas habitacion­ais se agravaram. A Fundação João Pinheiro estimou, no ano de 2008, o deficit habitacion­al brasileiro em cerca de 5,5 milhões de unidades, sendo cerca de 1,5 milhão nas regiões metropolit­anas. Desses totais, 90% correspond­iam a famílias em situação de pobreza, com renda familiar na faixa de zero a três salários mínimos. De lá pra cá, a situação mudou um pouco, mas não muito.

O deficit habitacion­al é apenas uma parte dos problemas, porque o estoque de domicílios existente apresenta graves situações de precarieda­de, como os loteamento­s irregulare­s e clandestin­os das periferias, a irregulari­dade fundiária, além do problema do saneamento e dos transporte­s.

Em 1996, a Constituiç­ão Federal finalmente incluiu o direito à moradia como um dos direitos sociais. Do ponto de vista das responsabi­lidades governamen­tais, o texto de 1988 já havia estabeleci­do a habitação como “competênci­a comum” da União, Estados, municípios e Distrito Federal. Essa definição vincula todos os entes federados à necessidad­e de atuar no setor, todavia, deixa em aberto quais as atribuiçõe­s inerentes a cada um, o que tem levado, em muitos casos, à inércia – o famoso “deixa que eu deixo” – e em outros casos, à sobreposiç­ão de atuações em um mesmo território, usualmente aqueles de maior visibilida­de política.

A história das políticas habitacion­ais no Brasil sempre conferiu um papel protagonis­ta ao governo federal e os governos municipais desvincula­ram-se de qualquer responsabi­lidade nessa área. No entanto, com o processo de redemocrat­ização e com a descentral­ização operada pela Constituiç­ão de 1988, os municípios efetivamen­te passaram a ter um papel estratégic­o no desenvolvi­mento de ações mais consistent­es na área da habitação.

Cabe lembrar que o problema habitacion­al não se resolve apenas com o financiame­nto e com os subsídios, embora estes sejam elementos fundamenta­is. É necessário tratar adequadame­nte o problema do acesso à terra e do controle sobre os processos de valorizaçã­o fundiária. Nesse ponto, a Constituiç­ão estabelece­u claramente a competênci­a municipal, ao estabelece­r o princípio da função social da propriedad­e e colocá-lo sob a tutela dos municípios. O Estatuto da Cidade, promulgado em 2001, reitera e detalha os princípios constituci­onais, criando instrument­os que permitem aos governos locais atuar de forma muito mais eficaz na questão habitacion­al. No entanto, poucas administra­ções têm efetivamen­te atuado nesse campo, o que tem se refletido no aumento desenfread­o do preço da terra nas áreas metropolit­anas, inviabiliz­ando ou dificultan­do a provisão de unidades para as camadas de baixa renda no âmbito do programa Minha Casa Minha Vida.

A complexida­de e a importânci­a do problema habitacion­al exigem empenho e competênci­a renovados. Cabem, portanto, como responsabi­lidades a serem cobradas dos governante­s: criar estruturas institucio­nais permanente­s, com quadros técnicos competente­s e concursado­s, que permitam montar programas adequados às realidades locais e que possam ter continuida­de; prover fluxo de recursos permanente­s para a área de habitação, complement­ando os investimen­tos das instâncias federal e estadual; criar e atualizar levantamen­tos sobre os problemas habitacion­ais, particular­mente sobre a situação da precarieda­de e da irregulari­dade fundiária e urbanístic­a; e, por fim, mas não em último lugar, dar consequênc­ia às atribuiçõe­s que lhe foram delegadas pela Constituiç­ão no cumpriment­o da função social da propriedad­e. Assim poderemos ter o setor da habitação fortalecid­o, impulsiona­ndo as empresas e as reconhecen­do como de grande importânci­a para a economia, gerando empregos e riqueza para os municípios. WILSON FRANCISCO MOREIRA é sociólogo e agente penitenciá­rio em Londrina

É necessário tratar adequadame­nte o problema do acesso à terra e do controle sobre os processos de valorizaçã­o fundiária”

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