Poder público e políticas habitacionais
O BNH, antigo responsável pela política nacional de habitação foi extinto em 1986, e de lá até 2008 a habitação social permaneceu relegada a uma posição subalterna na agenda das políticas sociais. Enquanto isso, os problemas habitacionais se agravaram. A Fundação João Pinheiro estimou, no ano de 2008, o deficit habitacional brasileiro em cerca de 5,5 milhões de unidades, sendo cerca de 1,5 milhão nas regiões metropolitanas. Desses totais, 90% correspondiam a famílias em situação de pobreza, com renda familiar na faixa de zero a três salários mínimos. De lá pra cá, a situação mudou um pouco, mas não muito.
O deficit habitacional é apenas uma parte dos problemas, porque o estoque de domicílios existente apresenta graves situações de precariedade, como os loteamentos irregulares e clandestinos das periferias, a irregularidade fundiária, além do problema do saneamento e dos transportes.
Em 1996, a Constituição Federal finalmente incluiu o direito à moradia como um dos direitos sociais. Do ponto de vista das responsabilidades governamentais, o texto de 1988 já havia estabelecido a habitação como “competência comum” da União, Estados, municípios e Distrito Federal. Essa definição vincula todos os entes federados à necessidade de atuar no setor, todavia, deixa em aberto quais as atribuições inerentes a cada um, o que tem levado, em muitos casos, à inércia – o famoso “deixa que eu deixo” – e em outros casos, à sobreposição de atuações em um mesmo território, usualmente aqueles de maior visibilidade política.
A história das políticas habitacionais no Brasil sempre conferiu um papel protagonista ao governo federal e os governos municipais desvincularam-se de qualquer responsabilidade nessa área. No entanto, com o processo de redemocratização e com a descentralização operada pela Constituição de 1988, os municípios efetivamente passaram a ter um papel estratégico no desenvolvimento de ações mais consistentes na área da habitação.
Cabe lembrar que o problema habitacional não se resolve apenas com o financiamento e com os subsídios, embora estes sejam elementos fundamentais. É necessário tratar adequadamente o problema do acesso à terra e do controle sobre os processos de valorização fundiária. Nesse ponto, a Constituição estabeleceu claramente a competência municipal, ao estabelecer o princípio da função social da propriedade e colocá-lo sob a tutela dos municípios. O Estatuto da Cidade, promulgado em 2001, reitera e detalha os princípios constitucionais, criando instrumentos que permitem aos governos locais atuar de forma muito mais eficaz na questão habitacional. No entanto, poucas administrações têm efetivamente atuado nesse campo, o que tem se refletido no aumento desenfreado do preço da terra nas áreas metropolitanas, inviabilizando ou dificultando a provisão de unidades para as camadas de baixa renda no âmbito do programa Minha Casa Minha Vida.
A complexidade e a importância do problema habitacional exigem empenho e competência renovados. Cabem, portanto, como responsabilidades a serem cobradas dos governantes: criar estruturas institucionais permanentes, com quadros técnicos competentes e concursados, que permitam montar programas adequados às realidades locais e que possam ter continuidade; prover fluxo de recursos permanentes para a área de habitação, complementando os investimentos das instâncias federal e estadual; criar e atualizar levantamentos sobre os problemas habitacionais, particularmente sobre a situação da precariedade e da irregularidade fundiária e urbanística; e, por fim, mas não em último lugar, dar consequência às atribuições que lhe foram delegadas pela Constituição no cumprimento da função social da propriedade. Assim poderemos ter o setor da habitação fortalecido, impulsionando as empresas e as reconhecendo como de grande importância para a economia, gerando empregos e riqueza para os municípios. WILSON FRANCISCO MOREIRA é sociólogo e agente penitenciário em Londrina
É necessário tratar adequadamente o problema do acesso à terra e do controle sobre os processos de valorização fundiária”