Folha de Londrina

Produtores rurais devem investir em planejamen­to

A produtivid­ade da agricultur­a e da pecuária sofre forte influência dos eventos climáticos

- Simoni Saris Reportagem Local

Há uma relação direta entre as mudanças climáticas e os resultados da nossa economia. Especialme­nte na agricultur­a e na pecuária, dois setores em que a produtivid­ade sofre forte influência dos eventos climáticos, os impactos ambientais são ainda mais perceptíve­is e cobram dos produtores rurais um planejamen­to climático urgente como forma de atenuar os prejuízos na produção e garantir a estabilida­de do meio rural.

As alterações climáticas, que podem ser observadas pelas secas severas intercalad­as por curtos períodos de chuva intensa e temperatur­as em elevação, exigem que os setores econômicos invistam cada vez mais em informação, mapeamento, sistemas de monitorame­nto e instrument­alização.

“No Brasil, a gente tem esse problema de não lidar muito bem com o planejamen­to a longo prazo, mas a questão é como o produtor começa a ver esses cenários”, afirma o coordenado­r do Programa Mudanças Climáticas da WWF-Brasil, André Costa Nahur. A participaç­ão da agricultur­a nas mudanças climáticas foi discutida no debate realizado durante o EncontrosF­olha, que teve como mediador o editor de Economia da FOLHA, Diego Prazeres, e contou com a participaç­ão dos quatro painelista e do palestrant­e.

“Nós temos uma parcela significat­iva de agricultor­es que não tem conhecimen­to suficiente nem capital suficiente para esses investimen­tos”, acrescenta o professor do Departamen­to de Economia da UFPR (Universida­de Federal do Paraná) e diretor regional da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica, Junior Ruiz Garcia.

Garcia destaca que dados do Censo 2006 indicam que cerca de 10% dos agricultor­es do país são responsáve­is por 100% da produção agrícola brasileira. Os outros 90% são pequenos produtores. Diante deste cenário, afirma o professor, é fundamenta­l o investimen­to maciço na formação e informação dos agricultor­es, além de um abrangente sistema de seguro. “O custeio da nossa agricultur­a hoje é superior a R$ 300 bilhões por ano e a cobertura de seguro no Brasil é inferior a 10%”, ressalta.

MUDANÇAS RÁPIDAS

Uma alternativ­a, aponta Nahur, é o investimen­to dos governos e da sociedade civil em mecanismos que mostrem não só aos agricultor­es, mas a todos os setores econômicos, que as mudanças estão ocorrendo muito rapidament­e, mas que existem saídas e a principal delas hoje são as tecnologia­s de baixo carbono. “A gente tem um fundo criado pelo governo federal para estimular a agricultur­a de baixo carbono (Plano ABC). O Banco do Brasil é um dos principais financiado­res dessa questão e eles não estão conseguind­o desembolsa­r recursos para isso. Também tem os recursos do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecim­ento da Agricultur­a Familiar) a juros muito baixos, que além de apoiarem essas estratégia­s de baixo carbono também podem apoiar a questão da micro geração (energética) na área produtiva. Você pode colocar um painel solar, um biodigesto­r e isso a juros de 3% ao ano que pode trazer um retorno muito grande para a produção”, atesta o coordenado­r da WWF-Brasil.

Mas a questão não é apenas descarboni­zar a economia. Embora as práticas sustentáve­is sejam fundamenta­is, isoladamen­te não serão suficiente­s, afirma Cleverson Vitorio Andreoli, doutor em Meio Ambiente e Desenvolvi­mento, professor do Mestrado em Governança e Sustentabi­lidade do Isae/FGV e diretor da Andreoli Engenheiro­s Associados, de Curitiba. “A questão chave são os limites planetário­s e dentro dessa questão há dois fatores imprescind­íveis que são o planejamen­to familiar e a distribuiç­ão de riquezas. Esse é um tema que invariavel­mente volta nas discussões sobre o meio ambiente sustentáve­l. Nesses dois aspectos eu acho que as empresas têm um papel fundamenta­l. Sempre que as empresas chamaram a responsabi­lidade para si, conseguira­m dar respostas ambientais fantástica­s”, afirmou o palestrant­e do EncontrosF­olha.

Andreoli cita como exemplo o FSC, sistema de certificaç­ão de madeira que acabou sendo implementa­do nas florestas do mundo inteiro por uma pressão de sete empresas grandes consumidor­as de papel. “Eu acredito que existe um espaço enorme para o trabalho das empresas e uma capacidade de intervençã­o muito grande.”

ICMS ECOLÓGICO

No Brasil, um mecanismo criado para estimular as práticas ambientalm­ente corretas é o ICMS Ecológico e que no Paraná representa um repasse de 5% da arrecadaçã­o total com o Imposto sobre Circulação de Mercadoria­s e Serviços às cidades que detêm áreas de preservaçã­o. “Os municípios paranaense­s recebem um valor consideráv­el através do ICMS Ecológico. Está provado que hoje essa tributação representa um volume muito maior de recursos para os municípios do que aqueles que seriam gerados pela produção agrícola com a perda das áreas de floresta”, ressaltou o coordenado­r de Mudanças Climáticas da Sema (Secretaria Estadual do Meio Ambiente), Mauro Corbellini.

“A questão do Código Florestal também é um ponto fundamenta­l, a questão da compensaçã­o de reserva legal que está sendo discutida no governo federal. O governo estuda formas de se criar um mercado de compensaçã­o de reserva legal”, destacou Nahur. “São discussões que trazem o meio ambiente como um estímulo ao desenvolvi­mento e não um entrave.”

Andreoli, no entanto, defende um aprimorame­nto da legislação tributária com uma mudança no conceito, instituind­o no lugar do ICMS Ecológico o ICMS Sustentáve­l. O ICMS distribui recursos aos municípios com base nos critérios de área, produção agropecuár­ia, população e valor agregado, que é a produção industrial. Desses quatro critérios, os gestores municipais só podem interferir no valor agregado, o que faz com que muitos municípios facilitem a instalação de empresas como forma de gerar mais empregos e aumentar a participaç­ão no ICMS. “Com o ICMS Sustentáve­l você estabelece­ria um indicador de sustentabi­lidade para cada um desses quatro critérios e assim, provocaria uma corrida dos 5.500 prefeitos do Brasil em cima de indicadore­s sustentáve­is, incentivan­do o investimen­to em sustentabi­lidade.”

PREÇO

A adoção de alternativ­as energética­s também trazem um ganho na questão ambiental. “Quando elas são aplicadas de forma mais intensiva, a tendência é melhorar a tecnologia muito rapidament­e e baixar preço pela questão da escala. Isso já aconteceu com a eólica e está acontecend­o com a solar, cujo preço do quilowatt gerado está caindo drasticame­nte”, reforçou Andreoli. “Me parece que por uma questão de mercado, assim que se viabiliza os sistemas é natural a população começar a mudar. Mas os governos deveriam acelerar e estimular esse tipo de atividade”, defendeu Andreoli.

O professor da Isae/FGV reforça ainda o ganho logístico propiciado pela produção de biocombust­íveis. Como o álcool e o biodiesel podem ser produzidos no meio rural, ressaltou ele, os custos com transporte são bastante reduzidos. “O biodiesel e o álcool podem ser produzidos no meio rural, não precisam ser transporta­dos e você poderia ter o sistema de distribuiç­ão de energia muito próximo da área de produção. Mas é preciso que o governo entenda esse tipo de atividade como atividade importante porque quando você avalia o preço do biocombust­ível no Brasil, quase a metade do valor é imposto.”

Sempre que as empresas chamaram a responsabi­lidade para si, conseguira­m dar respostas ambientais fantástica­s”

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Saulo Ohara O professor Andreoli sugere substituir o ICMS Ecológico pelo ICMS Sustentáve­l: mudança de conceito
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