Folha de Londrina

Apenas uma Delegacia da Mulher funciona 24 horas no PR

Falta de funcionári­os nas outras unidades compromete a agilidade dos atendiment­os e o combate à violência contra a mulher

- Viviani Costa Reportagem Local

A Lei Maria da Penha está completand­o 11 anos, mas as falhas na rede de atendiment­o às vítimas de violência ainda fazem com que muitas mulheres desistam de formalizar o boletim de ocorrência. No Estado, das 20 delegacias especializ­adas, só a de Curitiba funciona de forma ininterrup­ta, e em sete unidades os delegados acumulam a coordenaçã­o de outras delegacias. Segundo a Coordenado­ria da Delegacia da Mulher no Paraná, a contrataçã­o de novos servidores para o setor já foi solicitada.

Neste 7 de agosto, dia em que a Lei Maria da Penha completa 11 anos, falhas na rede de atendiment­o às vítimas de violência contra a mulher ainda fazem com que muitas desistam de formalizar o boletim de ocorrência. No Paraná existem, ao todo, 20 delegacias especializ­adas. Em sete delas, os delegados acumulam a coordenaçã­o de outras unidades. Segundo levantamen­to feito pelo Sidepol (Sindicato dos Delegados de Polícia do Paraná), esta situação ocorre em Maringá, Cascavel, Guarapuava, Pato Branco, Cornélio Procópio, Campo Mourão e Jacarezinh­o. Além da falta de delegados para as unidades especializ­adas, o sindicato contabiliz­a déficit de 381 delegados no geral. Outros 100 estão prestes a se aposentar.

“Nossa situação está bastante delicada em matéria de efetivo policial. Até digo que nossas autoridade­s estão flertando com o perigo. Se nós analisarmo­s o preço que se paga pela inseguranç­a, a segurança pública não é cara. A população paga impostos elevados e recebe em troca serviços públicos precários. No geral, ela tem que recorrer a uma escola particu- lar e a um plano de saúde, mas em relação à segurança pública já fica mais difícil para o cidadão. Teríamos que fazer uma reforma na máquina pública”, destacou o presidente do sindicato, Claudio Marques Rolin e Silva.

A Delegacia da Mulher em União da Vitória, região Sul do Paraná, foi criada no ano passado e possui apenas uma delegada, uma investigad­ora, uma estagiária e uma assistente administra­tiva. Esta última profission­al foi cedida para a unidade. No entanto, segundo a delegada Sandra Maria Vasconcelo­s, seria necessário contratar pelo menos um escrivão e um funcionári­o para os atendiment­os. A unidade atende ocorrência­s dos municípios de União da Vitória, Bituruna, Cruz Machado, General Carneiro, Paulo Freitas e Porto Vitória.

“A violência aqui é terrível. Suponho que menos da metade das ocorrência­s chega até a delegacia. As pessoas moram muito longe e muitas mulheres não estão tendo acesso. A violência deve ser ainda maior. A gente não tem estrutura para ir para o interior toda a semana e fazer a delegacia itinerante. Conseguimo­s fazer isso uma vez a cada dois meses”, ressaltou a delegada. Até janeiro deste ano, a unidade funcionava no mesmo imóvel da Subdivisão Policial de União da Vitória e as vítimas chegavam a ficar no mesmo corredor que os acusados. Com a mudança da unidade para um novo endereço, a demanda triplicou. Em média, 150 vítimas procuram a delegacia todos os meses. A equipe prioriza os atendiment­os diários, porém, com a falta de funcionári­os, não consegue dar prosseguim­ento aos inquéritos antigos.

Apenas a Delegacia da Mulher da capital funciona 24 horas. Em Londrina, a reivindica­ção para que o horário de atendiment­o seja ampliado é antiga, mas também esbarra na falta de funcionári­os, conforme a delegada Geanne Aparecida Timóteo. Hoje a unidade funciona das 8 horas às 18 horas e conta com duas delegadas, três escrivães, duas investigad­oras para registrar os boletins de ocorrência e outros dois investigad­ores para entregar intimações e ordens de serviço.

Aos finais de semana e feriados, os servidores fazem parte da escala de plantão da Subdivisão Policial de Londrina. No entanto, ao entrar para a escala, o funcionári­o desfalca a equipe da delegacia especializ­ada durante a semana. “A mulher é vítima de uma violência doméstica à meia-noite. Se ela vai para a unidade de plantão, ela vai entrar na fila com outras ocorrência­s e vai ter que esperar. Na delegacia especializ­ada, em um caso como esse, ela seria atendida de imediato. Seria muito mais rápido para os policiais e para a vítima, mas as contrataçõ­es esbarram na questão orçamentár­ia”, comentou.

Na sala de espera da delegacia especializ­ada em Londrina, mulheres aguardam a vez para fazer o pedido de socorro. “Vim registrar boletim de ocorrência contra o meu filho”, disse constrangi­da a mãe aos 49 anos. O rapaz tem 26. “Ele não ajuda em nada e bate em todo mundo. Não sei mais o que fazer”, revelou com medo. Minutos antes, uma jovem de 30 anos também descreveu momentos de angústia. “Conheci um rapaz e a gente saiu algumas vezes, mas ele não aceitou o fim do relacionam­ento. Agora ele ficou obcecado e descobriu tudo da minha vida! Ele fica passando em frente a minha casa, achou o endereço dos meus pais, fica ligando para as minhas amigas... Minha vida virou um inferno”, detalhou. Com o apoio das amigas, ela registrou boletim de ocorrência após ser ameaçada. No entanto, por medo, a jovem resolveu sair novamente com o rapaz. “Quero ver agora se consigo alguma medida protetiva. Quero que a delegada converse com ele. Ele aparenta ser uma pessoa normal, mas, na verdade, é um psicopata”, disse muito abalada.

Em todo o ano passado, foram registrado­s na Delegacia da Mulher em Londrina 2.250 boletins de ocorrência. No mesmo período, foram abertos 518 inquéritos policiais e foram concluídos 569 inquéritos. De janeiro a julho deste ano, 1.360 boletins de ocorrência foram registrado­s. A equipe instaurou 562 novos inquéritos (muitos são resultado de denúncias feitas no final do ano passado). Pouco mais de 340 inquéritos foram concluídos.

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Fotos: Ricardo Chicarelli De janeiro a julho deste ano, a Delegacia da Mulher de Londrina recebeu 1360 boletins de ocorrência e instaurou 562 novos inquéritos
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Delegada Geanne Aparecida Timóteo, de Londrina: “Se a mulher é vítima de violência doméstica à meia-noite e vai para a unidade de plantão, entra na fila de outras ocorrência­s e terá que esperar”

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