Vivendo um falso amor
O relacionamento abusivo, muitas vezes, é revestido pela ideia de cuidado e afeto; compartilhar experiências é uma alternativa para transformar essa realidade
Claudia (nome fictício), 34, aprendeu que a dor precisa ser compartilhada e que ela merece viver um amor verdadeiro. Há meses, ela tem saído de casa uma vez por semana para ir aos encontros do Mada (Mulheres que Amam Demais Anônimas), em Londrina. Junto com outras mulheres, ela ganha força e o entendimento de que não é responsável por “salvar” o casamento. Claudia vive um relacionamento abusivo há anos, mas foi somente na segunda união que ela se identificou nessa condição e conseguiu buscar ajuda.
“Meu marido era usuário de crack e toda vez que ele estava sob efeito, a culpa era minha. Ele me manipulava a ponto de eu realmente me sentir culpada por tudo de ruim que acontecia com ele. Eu não conseguia sair daquela relação porque lembrava do primeiro casamento e achava que tinha que salvar esse”, comenta.
O relato de Mariana (nome fictício) também tem contornos semelhantes. Ela se submetia a certas situações, como manter relações sexuais para não perder o companheiro. “Pois ele dizia que iria procurar outra. Então, eu fazia de tudo para conquistá-lo. Perdi minha autoestima e achava que merecia tudo aquilo que estava vivendo. E isso era um padrão. Em toda relação eu me entregava totalmente, me apaixonava perdidamente e sofria muito”, revela.
Essas duas histórias, felizmente, estão tomando outros rumos porque ambas encontraram uma rede de apoio no Mada. Claudia segue casada, pois o marido está em tratamento contra a dependência química há um ano. “Hoje eu tenho consciência sobre os meus limites; e com o grupo e a terapia sei o quanto estou fortalecida para conseguir viver sem ele caso tenha uma recaída ou se torne abusivo novamente”, diz.
Já Mariana cortou qualquer relação com o “companheiro” e comemora a nova fase. “Não estou em nenhum relacionamento agora, mas me sinto mais segura. Sei que não preciso me sacrificar para conquistar ninguém”, conta.
A coordenadora do Mada em Londrina, Sarah Carvalho, abriu o grupo em outubro de 2016, o que possibilitou já ajudar mais de 20 mulheres. Os encontros são semanais, sem custo e abertos para aquelas que se identificam com o tema.
O grupo é um braço do Mada Brasil e é estruturado com 12 passos, como acontece no AA (Alcóolicos Anônimos), porém, o objetivo é atender mulheres que vivem relacionamentos destrutivos. “Por ser um grupo de espelho, não podemos dar conselhos durante as reuniões. A ideia é uma escutar a outra como uma troca de experiências e espaço para desabafo. Com isso, aprendemos a nos conhecer e descobrir o porquê de algumas escolhas”, ressalta. dificuldade em um relacionamento abusivo é a pessoa se identificar nessa condição. “Muitas vezes, o abuso é silencioso, sutil. Então, a mulher começa a ser cerceada de seus direitos, como visitar familiares, ter amigos ou mesmo vestir certas roupas, travestido pela noção de cuidado, de amor”, aponta.
Ela destaca que cada casal tem o seu arranjo, sua dinâmica e que por isso, não há nenhum problema quando algumas escolhas são pactuadas, ou seja, de comum acordo, deliberada por ambas partes.
Fernanda de Mello Nogueira, psicóloga que também atua no CAM, acrescenta que nos relacionamentos abusivos há sempre uma assimetria de poder. “Esse é um aspecto importante que ajuda a identificar tal condição. Nenhum relacionamento violento começa com um tapa na cara. As coisas começam através de um controle, de um isolamento”, afirma.
As profissionais destacam ainda que os abusos que se dão nos relacionamentos independem de gênero e vínculo existente. Entretanto, historicamente, as mulheres são a maior parte das vítimas.
Dados do Ligue 180 da SPM (Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres) de 2015 revelam que dos 76.651 relatos registrados, 50,15% eram violência física; 30,33% psicológica; 7,25% moral; 5,17% cárcere privado e 4,54% sexual.
Ainda de acordo com o levantamento, em 72% dos casos as violências foram cometidas por homens com quem as vítimas têm ou tiveram algum vínculo afetivo, sendo companheiros atuais ou ex, cônjuges, namorados ou amantes.
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Cláudia (nome fictício), que contou um pouco de sua história no início da matéria, vive hoje uma relação saudável. E ela atribui essa “transformação” ao fato de ter conversado com outras mulheres na mesma condição, por meio de um grupo de apoio. “Foi um alívio. Falar sobre essa dor e ver que o seu caso não é isolado é como receber um abraço. Você passa a enxergar de verdade, uma luz no fim do túnel”, descreve.
A psicóloga Mirtes Menezes ressalta que conversar com alguém de referência, seja na família, na amizade ou na religião, é o primeiro passo para construir esse fortalecimento. Com isso, a mulher vai se aproximando também de uma ajuda profissional, seja individual ou em grupo.
Nas redes sociais, a união entre mulheres vem crescendo por meio de grupos de apoio, fortalecendo a ideia da “sororidade”, termo semeado no universo virtual que exprime uma aliança entre mulheres baseada na empatia e companheirismo.
De acordo com a psicóloga, os grupos são um ótimo caminho para ajudá-las a se sentirem solidarizadas, o que minimiza qualquer sentimento que possam ter desenvolvido de culpa ou inferioridade. “Pois em um relacionamento abusivo vai sendo minada a percepção de direito, de que é possível estar em outra condição. Além disso, a autoestima é zerada, assim como o sentimento de autocompetência”, destaca.
A psicóloga Fernanda de Mello Nogueira acrescenta ainda que chegar a um momento de empoderamento pode ser um longo caminho. “Pensando nisso, os grupos nas redes sociais sobre relacionamentos abusivos são ferramentas muito importantes. O acesso é facilitado e há muito conteúdo esclarecedor, educativo e acolhedor”, conclui. (M.O.)
ASSIMETRIA DE PODER A psicóloga Mirtes Viviani Menezes, que atua há nove anos no CAM (Centro de Referência Especializado de Atendimento à Mulher) em Londrina, afirma que uma grande