Folha de Londrina

‘Cenário paternalis­ta terá vida longa no País’, aponta analista

Para sociólogo, oligarquia­s familiares e o apadrinham­ento político permanecem na cultura brasileira; eleitor ainda busca um “salvador da pátria”

- Guilherme Marconi Reportagem Local politica@folhadelon­drina.com.br

Passado o Dia dos Pais, na vida política o simbolismo histórico da figura paterna está longe de sair de cena. Desde o patriarcal­ismo do Brasil Colônia, passando pelo Império e início da República, as oligarquia­s familiares ou o “apadrinham­ento político” permanecem na cultura brasileira. Os velhos ou novos personagen­s que despontam nas pesquisas na corrida presidenci­al de 2018, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o atual prefeito de São Paulo, João Dória (PSDB) carregam esse modelo paternalis­ta, que está enraizado no imaginário do eleitor brasileiro.

Essa é a análise do professor de Sociologia Rogério Baptistini, da Universida­de Presbiteri­ana Mackenzie (SP). “Na nossa sociedade não se criou uma cidadania ativa, ou seja, não se formou um povo participan­te da vida pública de baixo pra cima, ela é marcada pelas soluções que vêm do alto”, define Baptistini, relembrand­o aspectos históricos.

No Brasil Colônia, o poder do dono do latifúndio era passado de pai para filho, marcado pelo patriarcal­ismo. O Império preservou esse modelo: “A coroa manteve essa ‘solução’ patriarcal com latifúndio e escravidão”. Nem mesmo em 1889, com a Proclamaçã­o da República, houve uma mudança para quebrar esse ciclo cultural. “A República aqui, tristement­e, não veio de um ato de insurreiçã­o popular contra essa tradição, ou movimento civil pela liberdade. A República veio de um golpe militar, político, alterando o regime de poder, mas a estrutura da sociedade permaneceu a mesma, os cidadãos sempre abaixo, apáticos acompanhan­do tudo”, analisa o professor.

Olhando para o presente, os exemplos estão em todas as esferas. O prefeito de Londrina, Marcelo Belinati (PP), e o governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), também herdaram, respectiva­mente, do tio e do pai (políticos tradiciona­is), além de votos, essa caracterís­tica “paternal” na qual os eleitores se apoiaram. Mais recentemen­te, no último domingo (6), em Primeiro de Maio (Região Metropolit­ana de Londrina), Bruna Casanova (PP) foi eleita prefeita com apoio do pai, Marinho Casanova (PP), que teve o registro de candidatur­a cassado em outubro passado. Casanova foi três vezes prefeito da cidade e o avô de Bruna, outras duas.

Dados ONG Transparên­cia Brasil relativos às eleições parlamenta­res de 2014 confirmam os exemplos de oligarquia­s citadas acima: 49% dos deputados federais eleitos tinham pais, avôs, mães, primos, irmãos ou cônjuges com atuação política.

Baptistini lembra ainda que essa transferên­cia de poder ou “apadrinham­ento político” não fica restrita a questões sanguíneas: “A escolha da ex-presidente Dilma pelo presidente Lula como herdeira política foi um exemplo típico”.

“Nossa cultura política é ainda marcada pelo paternalis­mo porque o eleitor busca um político para ter proteção, um verdadeiro pai”, afirma. Para o sociólogo, esse ponto de vista é uma verdadeira inversão da lógica democrátic­a. “O cidadão vê o político no andar de cima e, por isso, o cidadão aqui vê autoridade nos políticos e não a si próprio como membro ativo das transforma­ções.”

O professor afirma, ainda, que mesmo com toda a democratiz­ação da informação, o cenário “paternalis­ta”, principalm­ente nas regiões menos desenvolvi­das, terá vida longa e poucas mudanças devem ocorrer nas eleições de 2018. “Todo o paternalis­mo político tem um elo personalis­ta, a figura de um salvador da pátria.”

Baptistini enxerga elementos paternalis­tas tanto em Lula quanto em Dória. “Lula é maior que o PT, é uma personalid­ade.” O prefeito de São Paulo tem sido apresentad­o com um gestor eficiente e como uma figura “apolítica”. “Essa personalid­ade também está acima de partido.” Segundo ele, são dois estilos herdados do período Vargas (Getúlio Vargas) com caracterís­ticas personalis­tas e paternalis­tas.

Segundo Baptistini, nem mesmo a presença forte da Operação Lava Jato que atinge políticos de diversos escalões e matizes partidária­s poderá atenuar esse aspecto cultural. “O elemento popular releva o mal governo, releva a corrupção, mas valoriza aquele que em tese o protege, desde que o pai lhe acolha.”

“Todo o paternalis­mo político tem um elo personalis­ta, a figura de um salvador da pátria”

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Lula Marques/AGPT A escolha da ex-presidente Dilma pelo presidente Lula como herdeira política demonstra que o “apadrinham­ento político” não é restrito a questões sanguíneas, segundo especialis­ta
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