‘Cenário paternalista terá vida longa no País’, aponta analista
Para sociólogo, oligarquias familiares e o apadrinhamento político permanecem na cultura brasileira; eleitor ainda busca um “salvador da pátria”
Passado o Dia dos Pais, na vida política o simbolismo histórico da figura paterna está longe de sair de cena. Desde o patriarcalismo do Brasil Colônia, passando pelo Império e início da República, as oligarquias familiares ou o “apadrinhamento político” permanecem na cultura brasileira. Os velhos ou novos personagens que despontam nas pesquisas na corrida presidencial de 2018, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o atual prefeito de São Paulo, João Dória (PSDB) carregam esse modelo paternalista, que está enraizado no imaginário do eleitor brasileiro.
Essa é a análise do professor de Sociologia Rogério Baptistini, da Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP). “Na nossa sociedade não se criou uma cidadania ativa, ou seja, não se formou um povo participante da vida pública de baixo pra cima, ela é marcada pelas soluções que vêm do alto”, define Baptistini, relembrando aspectos históricos.
No Brasil Colônia, o poder do dono do latifúndio era passado de pai para filho, marcado pelo patriarcalismo. O Império preservou esse modelo: “A coroa manteve essa ‘solução’ patriarcal com latifúndio e escravidão”. Nem mesmo em 1889, com a Proclamação da República, houve uma mudança para quebrar esse ciclo cultural. “A República aqui, tristemente, não veio de um ato de insurreição popular contra essa tradição, ou movimento civil pela liberdade. A República veio de um golpe militar, político, alterando o regime de poder, mas a estrutura da sociedade permaneceu a mesma, os cidadãos sempre abaixo, apáticos acompanhando tudo”, analisa o professor.
Olhando para o presente, os exemplos estão em todas as esferas. O prefeito de Londrina, Marcelo Belinati (PP), e o governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), também herdaram, respectivamente, do tio e do pai (políticos tradicionais), além de votos, essa característica “paternal” na qual os eleitores se apoiaram. Mais recentemente, no último domingo (6), em Primeiro de Maio (Região Metropolitana de Londrina), Bruna Casanova (PP) foi eleita prefeita com apoio do pai, Marinho Casanova (PP), que teve o registro de candidatura cassado em outubro passado. Casanova foi três vezes prefeito da cidade e o avô de Bruna, outras duas.
Dados ONG Transparência Brasil relativos às eleições parlamentares de 2014 confirmam os exemplos de oligarquias citadas acima: 49% dos deputados federais eleitos tinham pais, avôs, mães, primos, irmãos ou cônjuges com atuação política.
Baptistini lembra ainda que essa transferência de poder ou “apadrinhamento político” não fica restrita a questões sanguíneas: “A escolha da ex-presidente Dilma pelo presidente Lula como herdeira política foi um exemplo típico”.
“Nossa cultura política é ainda marcada pelo paternalismo porque o eleitor busca um político para ter proteção, um verdadeiro pai”, afirma. Para o sociólogo, esse ponto de vista é uma verdadeira inversão da lógica democrática. “O cidadão vê o político no andar de cima e, por isso, o cidadão aqui vê autoridade nos políticos e não a si próprio como membro ativo das transformações.”
O professor afirma, ainda, que mesmo com toda a democratização da informação, o cenário “paternalista”, principalmente nas regiões menos desenvolvidas, terá vida longa e poucas mudanças devem ocorrer nas eleições de 2018. “Todo o paternalismo político tem um elo personalista, a figura de um salvador da pátria.”
Baptistini enxerga elementos paternalistas tanto em Lula quanto em Dória. “Lula é maior que o PT, é uma personalidade.” O prefeito de São Paulo tem sido apresentado com um gestor eficiente e como uma figura “apolítica”. “Essa personalidade também está acima de partido.” Segundo ele, são dois estilos herdados do período Vargas (Getúlio Vargas) com características personalistas e paternalistas.
Segundo Baptistini, nem mesmo a presença forte da Operação Lava Jato que atinge políticos de diversos escalões e matizes partidárias poderá atenuar esse aspecto cultural. “O elemento popular releva o mal governo, releva a corrupção, mas valoriza aquele que em tese o protege, desde que o pai lhe acolha.”
“Todo o paternalismo político tem um elo personalista, a figura de um salvador da pátria”