Inibidores de apetite: cenário de incerteza jurídica
O possível regresso de substâncias ao mercado é alvo de impasse entre farmácias de manipulação e distribuidores
São Paulo
- Um mês e meio após a sanção da lei que libera a produção, a venda e o uso de quatro inibidores de apetite, quem está atrás dessas drogas precisa recorrer a dicas para encontrá-las e estar disposto a pagar um valor até sete vezes maior do que em 2011, antes de elas serem proibidas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) por falta de comprovação de eficácia.
O possível regresso das substâncias anfepramona, femproporex e mazindol ao mercado é alvo de impasse entre farmácias de manipulação e distribuidores.
Diante de informações de que já há farmácias recebendo encomendas de clientes, a Anfarmag (Associação Nacional das Farmácias de Manipulação) enviou comunicado às empresas alertando para o cenário de incerteza jurídica pela lei ser contra resolução ainda em vigor da Anvisa, “levando ao risco de [...] ser responsabilizada civil, administrativa e ou criminalmente”.
Enquanto isso, pacientes correm em busca de farmá- cias que deem ou prometam acesso aos inibidores, mesmo com dúvidas sobre a origem e a segurança das drogas. As drogas são antigas, não têm patente, tendem a custar pouco e, segundo endocrinologistas, eram boas opções quando bem indicadas. Novas drogas, como a liraglutida, apesar de eficazes e de terem perfil de segurança mais robusto, podem custar mais de R$ 1.000 por mês.
A reportagem ligou para 17 farmácias de diferentes cidades para saber se havia previsão de manipulação dessas substâncias. Duas delas afirmaram que já tinham anfepramona, que teria sido comprado de uma distribuidora. Outras seis tinham previsão de receber a anfepramona, com preços entre R$ 250 e R$ 350 por 60 cápsulas – em 2011, esse valor era de R$ 50. Uma sétima, cujos valores cobrados pelos produtos circula nas redes sociais, com “oferta” de receita médica controlada, afirma que obteve uma quantia pequena para atender a demanda de um médico, que “já acabou”. O restante das farmácias negou a oferta.
DIRETRIZES
A Anfarmag afirma em nota que, embora tenha recebido informação de que há venda de anfepramona, “isso não significa que os medicamentos contendo essa substância estarão amplamente disponíveis para a população final”. “Atualmente coexistem no Brasil normas que estabelecem diretrizes distintas em relação à manipulação de medicamentos anorexígenos, e isso cria um cenário de incerteza jurídica”, encerra a nota.
“A lei permite. Mas se houver fiscalização, a farmácia pode ter que se defender juridicamente”, diz Juan Carlos Becerra, do Sincofarma (sindicato que representa farmácias de manipulação de SP). Posição semelhante tem José Abdallah, presidente da Abrifar (Associação de Distribuidores e Importadores de Insumos Farmacêuticos), para quem a lei precisa ser regulamentada pela Anvisa.
O presidente da Anvisa, Jarbas Barbosa, porém, afirmaquenãohá como a agência estabelecer regras, fiscalizar ou controlar esses produtos. “Criouse o território do medicamento sem lei. Essa lei não vai atrair para o mercado produtores sérios, distribuidores sérios e farmácias sérias. Se uma pessoa que compra um medicamento desses tem um problema grave, quem vai se responsabilizar?” Ele afirma que a agência não recebeu pedidos de importação desses inibidores até agora. “E se alguém estiver fabricando, é por sua conta e risco, sem nenhum controle sanitário.”
Questionadas sobre a intenção de também voltarem a fabricar as drogas, farmacêuticas que vendiam os medicamentos antes de 2011 não quiseram responder. A reportagem apurou que, apesar da lei, o medo é que a queda de braço com a Anvisa interfira na avaliação e registro de outros medicamentos – todos têm de ser chancelados pela agência.
Quem está atrás dessas drogas precisa estar disposto a pagar um valor até sete vezes maior “Criou-se o território do medicamento sem lei”