Último ato
Existem pessoas que nos dão a impressão de estarem sempre acima do chão. Um modo de andar como se estivessem flutuando ou numa velocidade que não é a da maioria das pessoas. Elas rompem as distâncias em saltos como se tivessem com a vida um compromisso inadiável, alguma coisa urgente no horizonte.
O modo de andar do ator Paulo Braz, que faleceu no último domingo (13), sempre me chamou a atenção. Cruzava com ele inúmeras vezes no centro de Londrina, sempre correndo, mas havia espaço para palavras afetuosas, um abraço apertado, encontros de alegria que duravam cinco minutos, suspensos entre a hora do almoço e o momento de voltar ao trabalho. Meu último encontro com ele foi na véspera da reinauguração do Ouro Verde, no fim de junho, quando ele me mostrou todo o teatro.
Paulinho sempre encontrava tempo para atender os amigos, como no ano passado, quando solicitei que fizesse a ponte para entrevistarmos Nitis Jacon para a Folha 2, depois de anos de silêncio daquela que é uma entidade do teatro brasileiro, a criadora do Festival Internacional de Londrina e de tantos projetos que o circundam numa configuração de arte plena, crítica e amorosa. Ele não apenas fez a ponte, como acompanhou a repórter Marian Trigueiros e o fotógrafo Saulo Ohara na entrevista, correndo ao lado de Nitis como um rio de memórias.
Paulinho do FILO, como o chamávamos, era um trabalhador, nunca deixou de produzir desde que estreou no grupo Proteu, aos 14 anos, com autorização especial do Juizado de Menores, comprometendo-se a ficar nos bastidores quando o elenco protagonizasse “cenas impróprias.” Essa história sempre rendeu muito riso. Atuando ou dirigindo elencos, ele viveu como um realizador do teatro, uma daquelas pessoas que projetam no palco a imaginação criadora, as emoções graves ou sutis, com a maestria de quem compreende o humano.
No seu velório, no domingo, lembrei com amigos que ele representava também o momento fértil do teatro londrinense como ator do Proteu, nos anos 80, e depois na trajetória de uma vida inteira. Momentos importantes de sua arte passam pelo espetáculo “Olhares Guardados” (2010), no qual ele trabalhou com um elenco de deficientes visuais. Assisti a um ensaio e depois ao espetáculo, encantada com as soluções criativas que ele encontrou com os atores para situá-los espacialmente no palco a partir de sons e fios de barbante que indicavam as posições em cena.
Paulinho ainda se equilibrou em pernas de pau em muitos espetáculos, não só ganhando altura, mas invertendo seu plano de visão e também o do público. Pode ser considerado um dos precursores em Londrina do trabalho sobre pernas de pau, sobre as quais descobriu mundos e reinventou horizontes cênicos.
Sua morte prematura, aos 48 anos, me conduz à ideia de alguém que gostava de viver acima da realidade, caminhando de forma incomum, sempre muito rápido, como quem pousa e levanta voo na arte e na vida. No último ato, sem as pernas de pau e sem o corpo de ator, acho que ele simplesmente elevou-se. Como um pássaro, fez a ligação definitiva entre o chão e o infinito. De minha parte, só posso agradecer, Paulinho, por me dar tantas metáforas e tantas cenas lindas até o fim.