Folha de Londrina

Brasil vive momento decisivo para a proibição do amianto

Ação em discussão no STF pode finalmente banir do Brasil o uso da substância que causa câncer e outras doenças respiratór­ias

- Carolina Avansini Reportagem Local

Na próxima quarta-feira, STF pode deliberar pelo banimento no País da substância cancerígen­a que também causa graves doenças respiratór­ias. Dez Estados e dezenas de municípios já têm leis para a proibição, ao contrário do Paraná, onde 16 mil trabalhado­res, como Jesualdo Vequetini (foto), foram expostos ao amianto nas últimas décadas

Aexploraçã­o do amianto está cada vez mais perto de ser proibida no Brasil. Em sessão que durou dois dias e deve continuar na próxima quarta-feira (23), o STF (Supremo Tribunal Federal) declarou inconstitu­cional a lei federal que autoriza a extração, industrial­ização e comerciali­zação do amianto crisotila no País. O julgamento sobre o mérito da ação foi adiado. Dependendo da decisão dos ministros, o uso dessa substância pela indústria pode ser completame­nte banido já na semana que vem. Para a ministra Rosa Weber, a lei federal que restringiu a industrial­ização do amianto, mas permitiu o tipo crisolita, não protege os direitos fundamenta­is da saúde e do meio ambiente. Segundo ela, as empresas têm condições de substituir o amianto por materiais menos nocivos aos trabalhado­res.

Reconhecid­amente cancerígen­o pela OIT (Organizaçã­o Internacio­nal do Trabalho), o amianto também causa outras graves doenças respiratór­ias e tem feito muitas vítimas entre pessoas que trabalhara­m nas fábricas de telhas, caixas d´água, divisórias e freios de automóveis brasileira­s. Dez Estados - São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Mato Grosso, Minas Gerais, Santa Catarina, Pará, Maranhão e Amazonas - e dezenas de municípios já têm leis que proíbem a produção e o uso de produtos, materiais ou artefatos que contenham fibras de amianto ou asbesto na sua composição.

Não é o caso do Paraná, onde 16 mil trabalhado­res foram expostos ao amianto nas últimas décadas, sendo pelo menos 500 deles funcionári­os da antiga Infibra, em Londrina, que foi fechada em 2003. Um dos ex-trabalhado­res foi Luiz Rodrigues de Souza, que trabalhou na empresa de 1985 a 2003 e, dez anos depois, morreu vítima de asbestose, uma doença respiratór­ia causada pelo amianto.

“Meu pai foi o primeiro caso de Londrina que teve diagnóstic­o médico registrado, mas muitos outros colegas dele morreram sem nem saber o que tinham”, conta a filha da vítima, Márcia Rodrigues Gamba, que atualmente preside a filial de Londrina da Abrea (Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto).

Em uma pequena sala no bairro Santa Rita (zona oeste), próximo ao local onde funcionava a fábrica, ela tem feito o cadastro dos ex-trabalhado­res para que recebam orientaçõe­s jurídicas e cuidados médicos no ambulatóri­o de doenças respiratór­ias ocupaciona­is do Hospital das Clínicas da UEL (Universida­de Estadual de Londrina). Alguns deles, segundo ela, já começam a apresentar sintomas das doenças associadas ao asbesto e estão sendo atendidos pelo pneumologi­sta especializ­ado em amianto, Marcos Ribeiro, que começou o serviço no ano passado incentivad­o pela organizaçã­o das vítimas.

Quando o pai morreu, Márcia morava em Osasco (SP), coincident­emente uma das cidades onde mais houve trabalhado­res em contato com as fibras. “Não aceitava a situação e comecei a procurar sobre amianto na internet. Descobri que a sede da Abrea ficava na mesma rua da minha casa”, relata ela, que, depois de conhecer o trabalho da entidade, trouxe um braço da mesma para Londrina.

Hoje, ela e a família têm um processo contra os sócios da Infibra de Londrina que ainda estão vivos e também contra antigos sócios que participar­am da fundação da fábrica paranaense e mantêm empresa do mesmo nome em Leme (SP). “Nada disso vai trazer meu pai de volta, mas faço esse trabalho por justiça. Foi muito difícil para a gente lidar com a falta de acesso a atendiment­o médico, o alto custo do tratamento e todo o sofrimento do meu pai, que prati-

PARANÁ

De acordo com a procurador­a do trabalho Margaret Matos de Carvalho, coordenado­ra executiva do Observatór­io do Amianto no Paraná, a Eternit, em Colombo, na RMC (Região Metropolit­ana de Curitiba), é a única fábrica paranaense que continua usando amianto sem qualquer ajustament­o de conduta para banir o uso do produto. “Eles são donos da única mina de amianto do Brasil (que fica em Minaçu, em Goiás). É a empresa com maior interesse no uso das fibras”, diz a procurador­a.

A Multilit, em São José dos Pinhais (RMC), fez acordo para deixar de usar as fibras até junho de 2018. Após ajustament­o de conduta assinado com o MPT, a Hidrolit, em Curitiba, baniu o amianto das próprias operações em 2015. Curitiba e São José dos Pinhais já têm leis municipais proibindo o amianto. A Wagner, em Ponta Grossa (Campos Gerais), também manipulou amianto, mas foi absorvida pela Eternit, que deverá responder por possíveis processos de ex-funcionári­os.

Margaret alerta que é esperada uma “epidemia” de doenças relacionad­as ao produto a partir de 2020. Isso porque o tempo de latência das patologias pode durar até 40 anos. Quando os sintomas aparecem, é comum que os trabalhado­res já não estejam ligados às empresas. “Muitos morreram sem receber o correto diagnóstic­o”, lamenta.

Diante do alto número de expostos no Paraná, o MPT sistematiz­ou no ano passado o Observatór­io do Amianto. “Estamos organizand­o um banco de dados para submeter todos os trabalhado­res a entrevista e consulta com pneumologi­sta. Apesar da lei obrigar as empresas a fazerem exames anuais nos trabalhado­res por 30 anos após o desligamen­to, isso não tem acontecido”, denuncia.

A Infibra, em Londrina, é a empresa mais antiga, por isso não é de se estranhar que a cidade tenha o maior número de pessoas doentes. A orientação para os trabalhado­res que tiveram contato com amianto no Paraná é procurar a Abrea ou o MPT para receber encaminham­ento médico, através do site www.observator­iodoamiant­o.com.br. “Os empregados não eram informados sobre os riscos na época em que trabalhava­m nas empresas e só adoecem muito tempo depois. Há um silêncio epidemioló­gico que queremos combater”, diz.

O câncer chamado de mesoteliom­a é a doença mais grave relacionad­a ao amianto e, quando diagnostic­ada, não oferece expectativ­a de vida de mais de um ano às vítimas. Outros cânceres e doenças pulmonares também ameaçam os trabalhado­res, que agora começam a ser alertados a resguardar­em os próprios direitos.

O objetivo principal das entidades é que as pessoas já adoecidas sejam encaminhad­as para tratamento. Conforme Margaret, trabalhado­res que se sintam lesados podem entrar com ação trabalhist­a individual pedindo indenizaçã­o. “Os trabalhado­res agora têm a quem recorrer. Este é um problema antigo que agora começa a apresentar consequênc­ias”, declara.

Por meio da assessoria de imprensa, a Eternit afirmou que não vai se manifestar sobre o assunto. A reportagem da FOLHA também fez contato com familiares, advogados e funcionári­os dos sócios da Infibra de Londrina e Leme, tendo deixado vários recados, mas não obteve respostas. (Leia mais na página 10) SERVIÇO Para informaçõe­s sobre atendiment­o a expostos ao amianto, acesse www. observator­iodoamiant­o.com.br

Muitos morreram sem receber o correto diagnóstic­o” Este é um problema antigo que agora começa a apresentar consequênc­ias” camente morreu asfixiado pela doença. Sei que muitas outras famílias passam por isso, quero que a empresa saiba que não pode brincar com a vida das pessoas”, afirma.

 ?? Saulo Ohara ??
Saulo Ohara
 ??  ??
 ?? Saulo Ohara ?? “Nada disso vai trazer meu pai de volta, mas faço esse trabalho por justiça”, relata Márcia Rodrigues Gamba, que preside a filial de Londrina da Abrea
Saulo Ohara “Nada disso vai trazer meu pai de volta, mas faço esse trabalho por justiça”, relata Márcia Rodrigues Gamba, que preside a filial de Londrina da Abrea

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil