Folha de Londrina

Em Londrina, vítimas do amianto pedem por mais vida

Doentes por causa da exposição ao asbesto, ex-trabalhado­res da Infibra garantem que não sabiam dos riscos

- Carolina Avansini Reportagem Local

Foi após a geada negra que assolou as lavouras do Paraná em 1975 que Josivaldo Cassiano da Silva, 62, decidiu deixar a vida no campo para encarar a rotina de trabalhado­r na fábrica da Infibra em Londrina. Sem condições de sustentar a esposa e os filhos com a renda obtida nas lavouras dizimadas do café, ele relutou muito antes de aceitar a oportunida­de de emprego na indústria que não exigia nada além de força física dos funcionári­os. “Eu achava que não era capaz de trabalhar na cidade, mas tinha mais medo de passar fome, por isso aceitei a oferta de emprego para misturar amianto”, conta este pai de quatro filhos que, hoje, ajuda também a criar dez netos.

Em 1979, ele aceitou o emprego na Infibra, decisão cuja pior consequênc­ia apareceu há quatro anos. Após enfrentar muitas dificuldad­es respiratór­ias, garganta seca e até tossir sangue, foi diagnostic­ado com doença pleural por asbesto, segurament­e causada pelas décadas em contato com a poeira do amianto. “Respirei muito amianto. No início trabalhava sem uniforme, com minhas próprias roupas que trazia para lavar em casa. Nunca imaginei que o amianto fosse perigoso”, lamenta ele, que foi orientado a se aposentar com menos de 50 anos na única firma onde trabalhou “para dar emprego a quem estava desemprega­do”.

Silva não sabe como ficará a própria saúde, mas tem apenas uma certeza. “Se eles tivessem me avisado do risco, eu teria recusado o emprego ou pediria as contas e procuraria outro serviço. Se pudesse voltar no tempo, teria dito não”, afirma o paciente do ambulatóri­o de doenças ocupaciona­is pulmonares do Hospital das Clínicas que, muito religioso, agora só pode contar com “a cura de Deus”. “Espero que todos coloquem a mão na consciênci­a e acabem com o uso do amianto”, diz ele, que diante do laudo dos médicos, entrou com ação para receber indenizaçã­o pelos danos causados. “Dinheiro algum vai trazer minha saúde de volta, mas espero uma ajuda para poder me tratar. Eu quero viver”, pede.

Com a serenidade de quem busca conforto na fé, ele diz que só esperava sinceridad­e por parte dos ex-patrões. “Cada um tem sua própria consciênci­a. Acredito que eles sabiam dos riscos do amianto, pois eram pessoas estudadas. Podiam ter avisado os funcionári­os”, diz.

A história se repete na trajetória do ex-operário Jesualdo Vequetini, que exibiu à reportagem dezenas de exames que comprovam a presença de múltiplos nódulos pleurais nos pulmões, decorrente­s de exposição prolongada ao amianto. Foi em 1977 que ele deixou o campo, em Mandaguari, para trabalhar na Infibra, onde ficou até 1997. “Eu fazia de tudo um pouco. Se soubesse dos riscos, jamais teria aceitado o emprego”, garante ele, que entre outras funções lixava caixas d’água. “O rosto ficava coberto de pó. A gente pedia proteção, mas o encarregad­o não cedia porque custava caro”, recorda.

Foi só quando participou de uma reunião na Abrea (Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto), convidado por ex-colegas há poucos meses, que ele percebeu a gravidade dos nódulos detectados pelos exames. “Não morri por Deus”, revela o aposentado, que hoje tem que conviver com dor nas costas, falta de fôlego e uma canseira que não melhora. “Me senti muito mal quando soube que a causa da minha doença era o amianto, mas não tenho como voltar atrás”, lamenta.

Além da exposição ao amianto, ele denuncia outros desrespeit­os à lei. “Eu mesmo fiquei 15 anos sem tirar férias, eles pagavam em dinheiro, mas não liberavam para a folga. Me sentia um escravo... Sabia que tinha direitos, mas não cobrava porque tinha muito medo de perder o emprego”, recorda.

O trabalhado­r agora pede pelo fechamento da mina de amianto que ainda funciona no Brasil. “Tem que fechar e indenizar as pessoas que foram prejudicad­as. Veja o meu caso, se meus nódulos se ‘revoltarem’, eu vou ter câncer e estou morto. Não tenho dinheiro para me tratar, não tenho nada. Espero que haja o mínimo de justiça, pois dinheiro só vale quando a gente tem saúde. Hoje eu tento me distrair e não pensar muito no que aconteceu comigo. Só me resta aceitar o destino”, resigna-se.

João Batista Apolinário, 73, depois de trabalhar por 22 na Infibra, saiu da empresa em 1998 e, hoje, quase vinte anos depois, convive com o diagnóstic­o de asbestose causada por exposição ao amianto. “Vim para Londrina quando a geada acabou com o café e comecei a trabalhar direto na mistura do amianto. Não tinha proteção alguma, depois de uns dez anos passaram a oferecer máscaras, mas a gente sabe que não tem proteção segura”, diz.

Dos tempos na fábrica, ele recorda das roupas sempre sujas, dos sacos de amianto empilhados onde muitos operários sentavam para comer e do suor que mais parecia uma “espuma” por causa do pó. Foi só em 2017, porém, que ele começou a sentir as consequênc­ias dos anos dedicados à Infibra. “Peguei pneumonia, fiquei 20 dias no hospital e me disseram que era fibrose por causa do amianto”, comenta Apolinário, que “se pudesse voltar atrás, não aceitaria o trabalho”. O trabalhado­r afirma não ter medo da morte, mas acima de tudo quer a vida. “É triste saber que fui enganado. Fiz muita coisa pela empresa e quero ser ressarcido, mas acima de tudo, quero ver o amianto banido do Brasil enquanto estou vivo”.

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Fotos: Saulo Ohara “Nunca imaginei que o amianto fosse perigoso”, lamenta Josivaldo Silva
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“Acima de tudo, quero ver o amianto banido do Brasil enquanto estou vivo”, comenta João Batista Apolinário

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