O crime que fundou o Brasil
Desde o dia 18 de janeiro de 2002, quando o corpo do prefeito Celso Daniel foi encontrado com marcas de tortura e 11 perfurações de bala numa estrada de terra, meu pai, que sempre havia sido um homem de esquerda, e que perdera seus dois melhores amigos na luta armada, nunca mais votou no Partido. Com sua intuição radical, Paulo entendeu que aquele corpo jogado era a imagem do nosso país, e que a morte de Celso Daniel era o crime fundador do Brasil contemporâneo.
O assassinato de Celso Daniel é a principal fonte inspiradora da peça “Abnegação (II)”, do grupo paulista Tablado de Arruar, apresentada na programação do Festival Internacional de Londrina. Embora o Filo seja muitas vezes passível de críticas, as quais nunca me furtarei a fazer se necessário, a peça apresentada na terça-feira, como parte de uma trilogia, vale por um festival inteiro.
A beleza teatral nem sempre é bonita. Do princípio ao fim, “Abnegação” é um pesadelo, mas um pesadelo necessário. A peça parece uma mistura de “Os Demônios”, de Dostoiévski, com “Dois Perdidos numa Noite Suja”, de Plínio Marcos. A atmosfera de “Abnegação” poderia ser definida pela famosa frase gnóstica do monstro humano Macbeth: “A vida não passa de uma sombra que caminha, um pobre ator que se pavoneia e se aflige sobre o palco — faz isso por uma hora e, depois, não se escuta mais sua voz. É uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, significando nada”.
Não concordo com essa frase de Macbeth. Minha vida, aliás, é não concordar com ela! Mas o que fizeram com o Brasil nos últimos 15 anos é, sem sombra de dúvida, perfeitamente descrito pelo vilão de Shakespeare. Nas cenas de “Abnegação”, que combinavam a tortura e morte de um político esquerdista ( Jorge) e as absurdas descrições dos crimes de sangue por bandidos “comuns”, eu vi o retrato do nosso país. Na frieza dos diálogos entre