Portaria afrouxa normas de atendimento básico no SUS
Medida passa a permitir o financiamento de equipes de saúde menores do que as atuais
Brasília -
Representantes do Ministério da Saúde, Estados e municípios aprovaram nesta quinta-feira (31) uma portaria que flexibiliza as normas atuais da chamada atenção básica em saúde, tida como porta de entrada para o SUS (Sistema Único de Saúde). Na prática, a medida passa a permitir o financiamento de equipes de saúde menores do que a política atual prevê para atendimento nas unidades básicas de saúde.
Hoje, o modelo adotado prevê contrapartida de financiamento federal apenas para as equipes de Saúde da Família, as quais devem compostas, no mínimo, por médico generalista ou especialista em saúde da família, enfermeiro, auxiliar ou técnico de enfermagem e agente comunitário de saúde, podendo ter também dentistas e outros especialistas.
A nova portaria passa a reconhecer a possibilidade de repasse de verbas federais também para as chamadas equipes de atenção básica, as quais devem ser formadas por, no mínimo, três profissionais - um médico, um enfermeiro e um técnico de enfermagem.
O agente comunitário de saúde, profissional obrigatório no modelo anterior, passa a ter seu número facultado conforme a necessidade do município, podendo até mesmo não estar presente na equipe. A exceção, segundo o ministério, são “áreas de risco e vulnerabilidade social” definidas pelo gestor de cada município. Para estas, o mínimo é de um agente para cada 750 pessoas.
“Em um bairro de classe A, não precisa ter quatro agentes (comunitários de saúde), porque não vai ter quem visitar”, afirma o ministro da Saúde, Ricardo Barros. “Se é um bairro mais carente, mais vulnerável, exigimos mais.” Hoje, 40 mil equipes do modelo de Saúde da Família atuam no País.
‘RETROCESSO’
Para Ronald Santos, presidente do Conselho Nacional de Saúde, a portaria traz risco de retrocesso no atendimento. Hoje, o modelo de Saúde da Família é reconhecido em estudos internacionais como responsável pelo sucesso da atenção básica na redução de indicadores como a taxa de mortalidade infantil. “Não delimita um número mínimo de agentes. Vamos usar todas as prerrogativas presentes na lei para impedir que o retrocesso aconteça”, disse.
Integrantes do ministério, porém, afirmam que o financiamento das equipes de Saúde da Família ainda será prioritário e que a migração das novas equipes para esse modelo será estimulada. Barros diz que a nova portaria reconhece equipes que já atuam na atenção básica, mas não recebiam contrapartida em recursos do Ministério da Saúde por não terem o mesmo padrão. Nesse caso, eram bancados pelos próprios municípios - a estimativa é que 38% da população seja atendida por esses outros modelos.
“Estamos flexibilizando para ajustar à mão de obra disponível. Precisamos adaptar o legal ao real”, defende. “Hoje, não financiamos essas equipes porque não são completas, como preconiza a portaria. São equipes que poderão ser financiadas até serem completadas. Um município de 1.500 não precisa de equipe completa”, diz. Para ele, as mudanças devem aumentar a resolutividade dos atendimentos.
AGENTES DE SAÚDE
Outro ponto polêmico previsto para a nova portaria é a mudança nas funções dos agentes comunitários de saúde e agentes de endemias, que passam a ter parte das funções integradas. Hoje, agentes comunitários de saúde são responsáveis por realizar visitas aos domicílios, marcar consultas e realizar ações de promoção da saúde. Já os agentes de endemias são responsáveis pelo combate a focos de doenças, como o do mosquito Aedes aegypti, que transmite dengue, zika e chikungunya.
Agora, além de serem integrados com os de endemias, os agentes comunitários de saúde ganham outras funções. Entre elas, está a de aferir pressão, fazer curativos, medir glicemia e realizar ações de vigilância em saúde.
Segundo Barros, o governo irá ofertar um reforço na formação e qualificação dos agentes antes que eles passem a desempenhar as novas atividades. A estimativa é que, de um total de 320 mil agentes, 40% já estejam qualificados, por terem formação na área de saúde. Outros 180 mil, no entanto, ainda precisam de qualificação, o que deve ocorrer em até cinco anos.
Entidades como Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) e Cebes (Centro Brasileiro de Estudos em Saúde) têm feito críticas às mudanças. Em nota, as entidades afirmam que a mudança ameaça os avanços já obtidos com as equipes da Estratégia Saúde da Família, além de afetar o papel dos agentes comunitários de saúde.
O presidente do Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde), Mauro Junqueira, defende o novo modelo. “Hoje, os municípios arcam com mais de 70% do custo da Saúde da Família. Mantivemos como estratégia prioritária, mas estabelecemos novos arranjos, tendo em vista a diversidade enorme no País.”
Estamos flexibilizando para ajustar à mão de obra disponível”