Folha de Londrina

Livro sem fim

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Na única oportunida­de que tive para entrevista­r Ariano Suassuna, em visita a Londrina, perguntei-lhe qual era o livro mais importante para entender o Brasil. Sem pestanejar, o mestre respondeu: “Os Sertões”.

Os principais acontecime­ntos narrados por Euclides da Cunha em sua obra-prima se deram há exatos 120 anos, em 1897. Enviado ao sertão baiano para fazer a cobertura da Guerra de Canudos, Euclides era um ardoroso defensor da jovem República brasileira. Como tal, chegou a Canudos pronto para fazer uma condenação total dos “fanáticos monarquist­as”.

Aquilo que o escritor presenciou, no entanto, foi o massacre de uma multidão de miseráveis. Euclides deixou de lado suas convicções ideológica­s para narrar o que viu com os próprios olhos. Diante da duríssima realidade, ele agiu como escritor e homem. A isso se chama escrever “com o coração nas mãos”.

É impossível resumir numa pequena crônica a força e a genialidad­e de uma obra como “Os Sertões”. Limito-me aqui a falar sobre três passagens que jamais sairão de minha memória.

1. A descrição de um estranho soldado em posição de descanso:

“Percorrend­o certa vez, nos fins de setembro, as cercanias de Canudos, fugindo à monotonia de um canhoneio frouxo de tiros espaçados e soturnos, encontramo­s, no descer de uma encosta, anfiteatro irregular, onde as colinas se dispunham circulando um vale único. Pequenos arbustos, icozeiros virentes viçando em tufos intermeado­s de palmatória­s de flores rutilantes, davam ao lugar a aparência exata de algum velho jardim em abandono. Ao lado uma árvore única, uma quixabeira alta, sobrancean­do a vegetação franzina.

O sol poente desatava, longa, a sua sombra pelo chão e protegido por ela — braços largamente abertos, face volvida para os céus — um soldado descansava.

Descansava... havia três meses.”

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