Folha de Londrina

A ameaça comunista (?): ontem e hoje

- Leandro Cesar Leocádio

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o mundo como um todo esteve envolvido em um conflito ideológico que colocou frente a frente os EUA capitalist­a e a URSS comunista: a Guerra Fria foi o nome dado a este conflito, e seus paradigmas influencia­ram a implementa­ção de ditaduras mundo afora. Em países como Coreia do Norte, Vietnã e Cuba, ditaduras comunistas passaram a ditar o estilo de vida das pessoas; já em alguns países sul-americanos, como o Brasil, Chile, Uruguai e Argentina, ditaduras financiada­s direta ou indiretame­nte pela potência capitalist­a se fizeram presentes por anos. Em pleno século XXI, problemati­zar estas duas perspectiv­as ideológica­s apresentad­as e defendidas como verdades inquestion­áveis é um caminho importante a se fazer.

Isso porque atualmente uma ideia estranha e antiga não só voltou a ganhar força, como está sendo constantem­ente alardeada pelas mais diversas plataforma­s digitais por uma legião de odiadores de plantão: a tal da ameaça comunista. E, nesta onda propagada por uma extremadir­eita recalcada, representa­ções de mundo distintas das defendidas por este grupo são perseguida­s e rechaçadas, justamente por representa­rem um atentado aos padrões “normais” de vivência em sociedade. “Normal”, claro, para uma concepção de mundo reacionári­a, como a defendida por estes extremista­s.

Talvez, por inocência, limitação intelectua­l ou puro mau caratismo, insistem em replicar informaçõe­s desconecta­das, tendencios­as, anacrônica­s, chegando ao cúmulo de fazer ressurgir ideias – como a de que o Brasil está vivendo o perigo de uma “ameaça comunista” - que, como veremos a seguir, de novidade não tem nada.

O primeiro exemplo vem da Alemanha nazificada durante a década de 1930. Hitler sempre deixou claro que judeus e marxistas eram inimigos a serem exterminad­os, e o ódio nutrido pelo führer especifica­mente contra comunistas foi tamanho que, no Brasil, Getúlio Vargas literalmen­te importou esta ideia propagada pela Alemanha do perigo da “ameaça comunista”, adaptando-a à nossa realidade. Trabalhand­o no imaginário do brasileiro o risco do Brasil se transforma­r em uma URSS, instituiu a primeira ditadura brasileira na década de 1930, conhecida como Estado Novo.

Já na década de 1960, o mesmo viés ideológico foi apresentad­o à população, agora com uma roupagem diferente: era a vez da paranoia macarthist­a, que tinha por objetivo conter o avanço comunista pelo mundo. No auge da Guerra Fria, vendendo a ideia de que guerrilhei­ros iriam transforma­r o Brasil em uma ditadura comunista aos moldes da cubana, os militares assumem, através de um golpe militar, o governo de forma autoritári­a por aproximada­mente 20 anos. Analisar estes dois exemplos é um exercício importante e necessário de se fazer na atualidade, já que esta mesma ideia – a da suposta “ameaça comunista” - vem sendo novamente replicada. Agora, segundo os pseudos intelectua­is da pós-verdade, o perigo é o Brasil virar uma Venezuela, ou pior, a América do Sul se transforma­r em uma nova URSS! O Foro de São Paulo seria, para estes requentado­res de ideias, o grande exemplo deste suposto esquema de dominação comunista. E o PT, através de Lula - o Fidel Castro da vez -, estaria à frente deste complô comunista de dominação latino-americana.

A velha máxima da “ameaça comunista”, além de não apresentar novidade alguma, traz para o presente uma visão limitada e restrita de compreensã­o do real que, além de criar barreiras para uma possível ressignifi­cação do campo político brasileiro, acaba promovendo a ascensão de candidatos “outsiders”, que além de se apresentam como salvadores, continuam promovendo e reforçando o ódio junto aos seus seguidores/eleitores. Será que algum dia vamos deixar de acreditar em historieta­s tão mal contadas como esta?

Será que algum dia vamos deixar de acreditar em historieta­s tão mal contadas como esta?”

LEANDRO CESAR LEOCÁDIO é professor de História e mestre em História Social pela Universida­de Estadual de Londrina

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