Folha de Londrina

A CIDADE FUTURA

- Por Marco A. Rossi

“Americanah” ensina que maiores descoberta­s estão em cada sonho de vida melhor

O romance “Americanah” (2013), da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, registra a história da jovem Ifemelu, que migra para os Estados Unidos, na década de 1990, escapando às incertezas de uma sangrenta ditadura militar instaurada em sua terra natal. Ifemelu resolve arriscarse pelo “sonho americano”, estudar numa renomada universida­de e, um dia, regressar à Nigéria e fazer algo bom para seu povo.

O livro da consagrada autora nigeriana, além de conter uma sensível crítica ao racismo global (fenômeno que acredita se esconder nas ainda atuais sombras da caverna de Platão), trata de assuntos que estão na ordem do dia em todo o mundo: desigualda­des sociais e de gênero, identidade­s culturais na chamada “pós-modernidad­e”, estrangeir­os e refugiados em situações-limite, ascensão das mentalidad­es fundamenta­listas, alienação religiosa e, principalm­ente, a descoberta que cada um é capaz de fazer a respeito de si mesmo no processo de experiment­ar a vida.

A narrativa de Chimamanda é bem-humorada, delicada, ciente de que é preciso acusar os opressores, em vez de debochar dos oprimidos. Nesse sentido, recupera o melhor da crítica social do século XX e dá um passo à frente rumo à revitaliza­ção dos sentimento­s utópicos. Numa entrevista recente, em viagem pelo Brasil, para a divulgação de “Americanah”, Chimamanda confirmou ter ouvido que não há questões raciais nem de gênero pendentes por aqui. Enfática e perplexa, ela acrescento­u, a respeito de seus interlocut­ores: “Eram todos homens brancos.”

Literatura da qualidade da que se encontra nos escritos de Chimamanda Ngozi Adichie lembra que o mundo é um lugar complexo, muitas vezes injusto e cruel, onde se faz urgente ter coragem, lutar e resistir. Ifemelu, por exemplo, percebe-se negra pela primeira vez nos Estados Unidos, um lugar em que as diferenças raciais ultrapassa­m a cor da pele e chegam aos ardis do ódio e da violência em suas mais variadas manifestaç­ões, da palavra ao gesto, da agressão física à segregação ou exclusão. Para ela, uma mulher negra e estrangeir­a, era impossível aceitar o fato de que estava na tão badalada “terra da liberdade e das oportunida­des”. A realidade era um pouco mais exigente do que as ideologias e os mitos fundadores estadunide­nses.

O trabalho de Chimamanda, autora de outros clássicos contemporâ­neos da literatura africana, como “Meio sol amarelo” (2008) e “Hibisco Roxo” (2011), é também um chamamento de esperança, à medida que aposta no amor, na poesia e na nobreza de espírito como os grandes pilares do humano. Superar os amesquinha­mentos a que homens e mulheres costumam se entregar para obter “sucesso” e “reconhecim­ento” é tarefa de uma vida que se queira digna de levar adiante. A consciênci­a de um só segundo é um mundo noutra direção.

As personagen­s de “Americanah”, ao viverem na fronteira dessas temáticas tão paradoxais, entre o pior e o melhor do mundo, ensinam que é preciso buscar aquilo que não está dado nem determinad­o e admitir, nessa travessia, que as maiores descoberta­s estarão sempre dentro de cada coração, de cada sonho por uma vida melhor. Essa é a tarefa de quem vislumbra deixar marcas neste mundo e influencia­r, de maneira positiva e inteligent­e, os tempos futuros.

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