Folha de Londrina

Não tenha pressa, Pedro

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De manhã, Pedro ficou pensativo por um instante e declarou com voz muito séria: — Daqui a 11 anos eu já vou ser adulto. Achei muito divertida essa matemática do Pedro, mas ponderei:

— Filho, não precisa ter tanta pressa. Ser criança é bom, e ser adulto traz uma série de chateações e responsabi­lidades.

Mas o Pedro está empolgado com a perspectiv­a de ser adulto. Ficou muito feliz quando acordou com uma dorzinha na perna esquerda e a mãe comentou: — Isso deve ser dor de cresciment­o, Pedro. Rosângela tem razão. Crescer dói. Basta o Pedro dormir uma noite na casa da avó e ele já parece maior do que no dia anterior.

Não tenha tanta pressa em crescer, Pedro. Se eu pudesse, voltaria a ter sete anos. Em 1977, as crianças da minha escola fizeram uma visita à fábrica da Coca-Cola em São Paulo. Fiquei impression­ado com aqueles imensos tanques onde se armazenava o refrigeran­te. Depois fomos levados a uma sala onde exibiram um filme institucio­nal sobre a empresa (na época, eu não sabia o que era “institucio­nal”) e nos serviram copos grandes de refrigeran­te acompanhad­os de pastel.

Naquela mesma época, estava circulando o boato de que um funcionári­o havia morrido afogado em um tanque da Coca-Cola. Ninguém tocou no assunto durante a visita. Nessa mesma época, eu encontrei uma tampinha premiada. Meu prêmio foi... um copo! Fiquei muito feliz.

Nosso livro de escola trazia histórias e poemas de uma mulher chamada Cecília Meireles. Eu gostava das coisas que ela escrevia. Ficava pensando: será que ela se parece com a minha mãe, com a professora Maria Amélia ou com Nossa Senhora? Será que um dia a Cecília Meireles vem nos visitar aqui na escola? Tantas perguntas.

Eu tinha sete anos quando meu pai me levou ao parque. À sombra de uma imensa árvore, havia a barraquinh­a de um vendedor de doces. O homem usava óculos e era sorridente. Notei que sua pele tinha diversas marcas roxas, como se alguém o tivesse riscado com caneta. Quando me viu, o rosto do homem iluminou-se:

— Pode levar quantos doces quiser, menino. Seu pai salvou a minha vida.

Quarenta anos depois, eu e Rosângela deixamos o Pedro na escola e passamos de carro pela Igreja Coração de Maria, onde nos casamos. Na calçada em frente à igreja, existe uma árvore — e esta árvore floresceu. Floresceu de um modo espetacula­r. Então eu me lembrei daquele vendedor de doces, e do dia em que meu pai entrou pela porta daquela igreja para assistir ao nosso casamento, e do domingo em que meu pai morreu da mesma doença que atingira o vendedor de doces. Na semana passada, alguém me chamou de “fascista” naquele mesmo lugar. De certa maneira, a árvore florida estava dando sua resposta a quem fez o xingamento.

Não tenha pressa, Pedro. As árvores e as pessoas levam muitos anos para crescer. Um dia você vai ser um homem tão bom quanto o seu avô.

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Paulo Briguet

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