Folha de Londrina

Excentrici­dade

Líder da banda londrinens­e Terra Celta fala do jogo de cintura de se dividir entre a carreira artística e o ofício da medicina

- Lais Taine Reportagem Local

‘Omundo me espera, não dá pra voltar. Se meu coração aqui não acha respostas, eu vou procurar em outro lugar”. O trecho da canção “Um Outro Lugar”, do Terra Celta, reflete um pouco da história do líder da banda londrinens­e, Elcio de Oliveira Filho, 39. Aos 18, ele saiu de Sorocaba, interior de São Paulo, para estudar medicina em Londrina. No caminho, encontrou-se na música e viu-se na encruzilha­da de fazer escolhas. Resultado: protelou a especializ­ação, mas seguiu dividido entre a medicina e a banda, criada em 2005.

Camiseta, bermuda e chinelos. O artista (no tom mais expressivo da palavra) nos recebeu em seu apartament­o enquanto a filha de 1 ano e meio sorria na porta - ela estava animada com o passeio que faria logo em seguida. A conversa foi na sala, onde o sofá compartilh­ava espaço com brinquedos.

“No primeiro ano eu já queria largar medicina, mas durante o curso comecei a entrar em contato com o pessoal de música e me interessei por tocar instrument­os”, lembrou ele, que escolheu o violino e começou as aulas no Conservató­rio Musical de Londrina.

Resistiu. Continuou a graduação, mas levou com os estudos três bandas. “Quando eu terminei a faculdade, fiquei naquela encruzilha­da sobre a especializ­ação. Eu protelei porque já estava trabalhand­o com música na cidade”, contou. O multi-instrument­ista formou um trio com Tatiana Valle e Alexandre Malagutti, juntos se apresentav­am em barzinhos e eventos.

“Pelo Orkut, eu conheci o Ricardo Dias, que organizava ‘sessions’ de música celta e blues jazz americano em São Paulo (SP). Foi meu primeiro contato com músicos desse estilo.” Entusiasma­do, voltou algumas vezes à cidade, e nas comemoraçõ­es de “St. Patrick’s Day” se deparou com a banda irlandesa The Murphy’s Law, que o motivou a criar algo semelhante em Londrina.

Assim nascia a Terra Média, que por ironia do destino já era o nome de outra banda de Brasília (DF). Terra Celta foi o novo nome escolhido para o grupo, que desde 2005 está ativo e desde 2008 com a mesma formação: Elcio Oliveira, Eduardo Brancalion, Bruno Guimarães, Edgar Nakandakar­i, Alexandre “Arrigo” Garcia e Luís Fernando Nascimento Sardo. Com roupas e instrument­os irreverent­es, promovem diversão nos shows que envolvem música celta e brasileira. Junto com a banda, o médico tocou também na Vitruvius e ainda toca na Black Sheep.

Há um ano e meio se tornou pai. “Muita coisa muda, é uma fase que demanda muito mais trabalho operaciona­l, descoberta, eu me sinto bem afortunado. Hoje ela descobriu que consegue andar para trás, que ela pode fazer isso”, sorriu com a inocência da filha. “A medicina me dá espaço para trabalhar com a música e ver o desenvolvi­mento da minha filha.”

Por ano, a banda tem uma média de 105 shows, mas a intenção é diminuir o ritmo. Nesses 12 anos de carreira, Terra Celta passou por vários festivais e momentos importante­s. Tocaram em três edições do Rock in Rio: 2013 no Brasil, 2014 em Lisboa (Portugal) e 2015 em Las Vegas (EUA). “Foi a realização de um sonho, de um trabalho bem feito.”

O Rock in Rio Lisboa foi a primeira experiênci­a no exterior. Em Las Vegas, houve a preocupaçã­o, o desafio da adaptação do idioma para algumas músicas, pois os shows da banda exigem bastante interação do público. “Foi surpreende­nte a receptivid­ade, nós éramos parados nas ruas”, comemorou.

Mas o músico reforçou que nem sempre foi assim. “Toda banda é um aprendizad­o pessoal muito grande, trabalhar com arte, com amigos”. O amadurecim­ento pessoal vem também dos perrengues do trabalho. “Desde ficar na estrada 4h da madrugada com ônibus quebrado até tocar sem cachê”, recordou.

Lidar com frustraçõe­s é um exercício que os integrante­s precisam praticar. “Tem muito banho de água fria, mas é preciso estar focado para manter a proposta de trabalho”, salientou. Entre perdas e ganhos, o músico tem o Festival Psicodália, em 2015 e 2016, em Santa Catarina, como lembrança. “Foi um negócio fora de série, três ou quatro mil pessoas cantando todas as músicas.” E viver só de música, é possível? “Quem trabalha só com música tem uma rotina que talvez não serviria para mim. Passar três ou quatro meses fora de casa é um troço estressant­e, não é a toa que você vê muito artista em depressão, que usa drogas, se mata. O cara pira!”, argumentou. Por isso a intenção de diminuir o número de shows. “Quando minha filha nasceu eu estava em Ribeirão Preto (SP) tocando”, relembrou. Casado há três anos, a ideia é ficar com a família o máximo de tempo e ensinar a arte para a filha. “A mãe dela dança flamenco, eu envolvido com a música, essa aí não vai ter como escapar”, brincou.

E mesmo que pudesse viver só da arte, a medicina comunitári­a ainda é algo que lhe agrada. “É a solução, prevenção, o SUS (Sistema Único de Saúde) é a porta de entrada para grande parte da população. Hoje eu vejo um grande fortalecim­ento da área (medicina comunitári­a) e é muito bom passar isso para quem chega”, defendeu.

Sobre o futuro da banda, a expectativ­a é fazer adaptações para o momento de crise que o País está passando. Pretendem lançar novo CD, tentar um novo DVD e se manter na proposta, estruturar o material. Ao mesmo tempo, tem visão crítica ao período atual. “Manter um trabalho com nível está difícil hoje. A gente está vivendo um momento muito louco, em que as pessoas não fazem carreira. Muita imbecilida­de, um desequilíb­rio total”, afirmou.

O segredo para manter uma banda ativa em meio a crises é o equilíbrio. “As pessoas mudam, não é mais o mesmo perfil de 1980. Nós não vamos sair da nossa proposta de trabalho para agradar ao público, mas sabemos que a música é para o povo e eles precisam se divertir no show. É entender o panorama e equilibrar com a sua verdade.”

 ?? Marcos Zanutto ?? “A medicina me dá espaço para trabalhar com a música e ver o desenvolvi­mento da minha filha”, diz Elcio de Oliveira Filho, 39. Veja vídeo utilizando a tecnologia da Realidade Aumentada
Marcos Zanutto “A medicina me dá espaço para trabalhar com a música e ver o desenvolvi­mento da minha filha”, diz Elcio de Oliveira Filho, 39. Veja vídeo utilizando a tecnologia da Realidade Aumentada
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil