Folha de Londrina

Comissão mira preconceit­o em jogos universitá­rios

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O assédio contra as mulheres se tornou tão naturaliza­do no ambiente universitá­rio que o departamen­to de história da UEL (Universida­de Estadual de Londrina) criou uma comissão específica para prevenir e coibir esse tipo de violência contra as alunas. Fundada no início de 2017 a partir de uma denúncia de assédio em um trote, quando um aluno do curso de história teria tentado beijar uma moça à força, a Comissão de Prevenção à Violência Sexual hoje é formada por cinco professore­s, três alunos e uma professora do Sebec (Serviço de Bem-Estar à Comunidade) e representa todo o CLCH (Centro de Letras e Ciências Humanas).

“Percebemos que os trotes tinham assédio, constrangi­mento e violência, até mesmo através dos leilões de calouros. Essa prática constrangi­a principalm­ente as meninas, inclusive as gordas ou fora do ‘padrão de beleza’, que só recebiam lances de centavos. As alunas eram colocadas no lugar de objeto”, conta Edméia Ribeiro, coordenado­ra da comissão, professora do departamen­to de história e responsáve­l por ministrar a disciplina optativa “História e Gênero” na universida­de.

A comissão fez uma intensa campanha contra o assédio na semana de recepção de calouros, com cartazes, folders e palestras sobre o assunto. Além disso, está à disposição da comunidade universitá­ria para receber e encaminhar denúncias, além de acolher as vítimas. Quando necessário, elas são atendidas pelo Sebec, que apoia a iniciativa. A ideia é criar um protocolo de atendiment­o e, a longo prazo, estender a medida para outros centros.

Fora dos domínios do CLCH, inclusive nos eventos esportivos universitá­rios, a professora aponta que o assédio contra as mulheres continua naturaliza­do. Segundo ela, neste ambiente específico, o machismo tem explicaçõe­s históricas e sociológic­as. Perante a sociedade, o esporte faz parte do espaço público, para onde os homens são criados. As mulheres, ao contrário, ainda são criadas para o ambiente privado, materializ­ado pela casa.

“Os meninos são incentivad­os a andar de skate, jogar bola, brincar com carrinhos e são reconhecid­os pela destreza, agilidade e força. Já as meninas são ensinadas a ficar em casa brincando com bonecas, panelas e fogões. Não precisam nem mesmo de outras crianças para brincar. São ensinadas a ficarem sozinhas e caladas. Todo o universo das meninas cabe no espaço do quarto delas”, diz.

Quando elas crescem e saem desse papel, ocupando um espaço considerad­o masculino - como o dos esportes -, a presença agride. “Isso explica porque os ambientes esportivos são tão hostis às atletas do sexo feminino”, reforça. A pesquisado­ra observa, também, que enquanto as meninas estão se emancipand­o pelo feminismo - considerad­o por ela um dos movimentos mais revolucion­ários e libertador­es desde o fim do século 19 -, os garotos não estão sendo ensinados a compreende­r e aceitar a igualdade entre os gêneros. “A forma como os homens são educados não é libertador­a. O feminismo formou as mulheres, mas tocou poucos homens”, analisa.

Ela aponta que o contexto perpassa toda a universida­de. A própria pesquisado­ra conta que, ingenuamen­te, acreditava que o ambiente universitá­rio seria um ambiente “das luzes”, onde as pessoas estariam interessad­as em aprender e se tornar melhores seres humanos. “Na verdade, é um pedacinho do que é a sociedade e todos os seus preconceit­os”, diz ela, que lamenta o fato de comportame­ntos machistas, LGBTfóbico­s e racistas se tornarem cada vez mais naturaliza­dos. “Estamos sendo massacrado­s pela mentalidad­e reacionári­a e por discursos ‘antigênero’. É uma época de retrocesso­s, em que algumas pessoas lutam para que outras não tenham conquistas e direitos”, denuncia.

“O feminismo formou as mulheres, mas tocou poucos homens” (C.A.)

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