Folha de Londrina

Mulheres se posicionam contra o machismo em jogos universitá­rios

Comissão para coibir comportame­ntos preconceit­uosos foi criada para proteger atletas em competição das Associaçõe­s Atléticas

- Carolina Avansini Guilherme Bernardi Reportagem Local geral@folhadelon­drina.com.br

Londrina sedia desde o início do mês a 7ª Edição dos Jogos Inter Atléticas ( JIA), com participaç­ão de 16 equipes formadas por estudantes de Associaçõe­s Atléticas de Londrina e região. Neste ano, o evento esportivo conta com uma novidade: foi formada uma comissão social cujo principal objetivo é coibir comportame­ntos machistas, racistas e LGBTfóbico­s nas quadras e também fora delas. Em outras edições da competição, grupos de torcedores não pouparam comentário­s ofensivos a parte dos atletas.

A necessidad­e de criar regras de conduta em competiçõe­s esportivas universitá­rias foi reforçada neste ano pelo caso de um aluno de medicina da UEL (Universida­de Estadual de Londrina) que, após fazer uma postagem violenta e machista contra atletas do curso de medicina da UFPR (Universida­de Federal do Paraná) em uma comunidade dos jogos Intermed Paraná, foi proibido de participar do evento e deve responder a um Processo Administra­tivo Disciplina­r na instituiçã­o de ensino. O estudante também foi expulso dos JIA. No texto exposto nas redes sociais, com palavras de baixo calão, ele chama as atletas de “vagabundas” e pede que estejam limpas para que pudesse praticar ato sexual anal com elas.

“Não tem como ser mulher, negro ou gay sem sofrer assédio nesses eventos. Infelizmen­te o ambiente universitá­rio é reflexo de uma sociedade que tem comportame­ntos preconceit­uosos”, opina o jornalista Renan Duarte, que tem experiênci­a em JIAs e apoiou os estudantes na criação da comissão. “A ideia é anterior ao caso do estudante de medicina, mas esse é um exemplo claro de que o problema existe”, denuncia. Membros da comissão usam bandanas rosa no evento para que sejam reconhecid­os e possam receber as denúncias.

Segundo ele, como os ambientes esportivos ainda são muito masculinos, as “brincadeir­as” ofensivas são naturaliza­das. Para incentivar a conscienti­zação sobre o tema, a LAL (Liga das Atléticas de Londrina) selecionou pessoas de diversos cursos, sejam elas brancas ou pretas, homens ou mulheres, heterossex­uais ou pessoas LGBT, para garantir representa­tividade e diversidad­e na tomada de decisões. Além disso, a comissão funciona como um “porto seguro” para que as possíveis vítimas possam denunciar abusos e receberem acolhiment­o. A iniciativa tem apoio da clínica de psicologia da UEL.

A estudante de relações-públicas Lanah Stievano Consolini joga handebol pela atlética Ascof, do Ceca (Centro de Educação, Comunicaçã­o e Artes), e participa da

comissão por não concordar com o machismo no ambiente esportivo. “O assédio é comum e naturaliza­do. As meninas estão jogando e os homens ficam reparando nos shorts, nas caracterís­ticas físicas. Ninguém quer saber se jogamos bem ou o quanto nos esforçamos nos treinos. O esporte feminino nunca foi valorizado”, aponta.

Consolini destaca que o ambiente das competiçõe­s é hostil para as mulheres. “Nunca ficamos despreocup­adas”, lamenta ela, que não aceita a naturalida­de com que comportame­ntos ofensivos e machistas são recebidos. “É um reflexo da cultura machista achar que na torcida vale tudo”, denuncia.

Entre as atletas que participam de jogos universitá­rios, não faltam relatos sobre assédio e ofensas machistas. Por isso, as alunas da Atlética V de Outubro, dos cursos de letras, filosofia, história e ciências sociais da UEL, criaram o grupo “Cangaceira­s”, uma diretoria cujo objetivo é fiscalizar e receber denúncias de machismo, racismo e homofobia durante os jogos.

Laura Grosso, 19, aluna do primeiro ano de ciências sociais da UEL, sempre jogou vôlei e, nos JIA, disputa pela atlética nas modalidade­s de praia e de quadra. Convicta da necessidad­e de coibir comportame­ntos abusivos, ela denuncia que nos últimos jogos que disputou, o Calouro UEL, ouviu em jogo contra o time de medicina “coisas horríveis e que atrapalham muito”.

Beatriz Silva, 20, do segundo ano de ciências sociais, também faz parte do grupo “Cangaceira­s”. Ela conta que as atléticas são estigmatiz­adas por muita gente que acredita serem organizaçõ­es machistas e LGBTfóbica­s, mas que acha fundamenta­l a “recepção e integração” que proporcion­am. “Não teria metade dos amigos que tenho na UEL. É muito importante”, define Grosso, que afirma que as integrante­s recebem total apoio e autonomia dentro da diretoria para atuar contra essas discrimina­ções. O Cangaceira­s, que conta com aproximada­mente dez meninas, não tem uma diretora ou líder e atua de forma horizontal. O objetivo principal é fiscalizar e tornar o ambiente seguro para mulheres durante os jogos.

É preciso prevenir, mas se isso não evitar que o preconceit­o apareça, elas disseram ter liberdade para lidar com o que acontecer e para punir conforme artigos do estatuto da LAL. “Primeiro, no caso de assédio ou agressão verbal, a gente conversa e avisa; se acontecer de novo, é expulsão. Se for agressão física, é expulsão direto.”

Bianca Cavalieri, PM e graduada em direito pela UEL, joga basquete e vôlei e relatou que alunas dos cursos de direito da UEL e da UFPR criaram uma página chamada “Jogos Sem Assédio” (https://www.facebook.com/JogosSemAs­sedio/) para lutar contra esse problema. Nos Jogos Jurídicos deste ano, elas fizeram uma camiseta com os dizeres “Jogue como uma mulher” e “#jogossemas­sédio” para conscienti­zar e expor a existência do machismo nos jogos.

“A ideia era usar durante os jogos, mas, principalm­ente, durante o aqueciment­o, quando daria mais visibilida­de para a camiseta e, por consequênc­ia, para a causa nela estampada”, diz Cavalieri. Segundo ela, o impacto aconteceu. “A tendência é cada vez mais minas empoderada­s nos jogos.”

Na opinião da PM, “quando a gente dá visibilida­de a algo, ele passa a existir”. E completa dizendo que os meninos passaram a prestar mais atenção em como falavam com as meninas, o que foi positivo e elogiado por todos, “independen­temente do gênero”.

Para denúncias sobre comportame­ntos ofensivos durante os JIA: (43) 9 9186-6370 (WhatsApp)

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Fotos: Anderson Coelho Integrante­s da comissão usam bandanas no evento para que sejam reconhecid­os e possam receber as denúncias
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