Mulheres se posicionam contra o machismo em jogos universitários
Comissão para coibir comportamentos preconceituosos foi criada para proteger atletas em competição das Associações Atléticas
Londrina sedia desde o início do mês a 7ª Edição dos Jogos Inter Atléticas ( JIA), com participação de 16 equipes formadas por estudantes de Associações Atléticas de Londrina e região. Neste ano, o evento esportivo conta com uma novidade: foi formada uma comissão social cujo principal objetivo é coibir comportamentos machistas, racistas e LGBTfóbicos nas quadras e também fora delas. Em outras edições da competição, grupos de torcedores não pouparam comentários ofensivos a parte dos atletas.
A necessidade de criar regras de conduta em competições esportivas universitárias foi reforçada neste ano pelo caso de um aluno de medicina da UEL (Universidade Estadual de Londrina) que, após fazer uma postagem violenta e machista contra atletas do curso de medicina da UFPR (Universidade Federal do Paraná) em uma comunidade dos jogos Intermed Paraná, foi proibido de participar do evento e deve responder a um Processo Administrativo Disciplinar na instituição de ensino. O estudante também foi expulso dos JIA. No texto exposto nas redes sociais, com palavras de baixo calão, ele chama as atletas de “vagabundas” e pede que estejam limpas para que pudesse praticar ato sexual anal com elas.
“Não tem como ser mulher, negro ou gay sem sofrer assédio nesses eventos. Infelizmente o ambiente universitário é reflexo de uma sociedade que tem comportamentos preconceituosos”, opina o jornalista Renan Duarte, que tem experiência em JIAs e apoiou os estudantes na criação da comissão. “A ideia é anterior ao caso do estudante de medicina, mas esse é um exemplo claro de que o problema existe”, denuncia. Membros da comissão usam bandanas rosa no evento para que sejam reconhecidos e possam receber as denúncias.
Segundo ele, como os ambientes esportivos ainda são muito masculinos, as “brincadeiras” ofensivas são naturalizadas. Para incentivar a conscientização sobre o tema, a LAL (Liga das Atléticas de Londrina) selecionou pessoas de diversos cursos, sejam elas brancas ou pretas, homens ou mulheres, heterossexuais ou pessoas LGBT, para garantir representatividade e diversidade na tomada de decisões. Além disso, a comissão funciona como um “porto seguro” para que as possíveis vítimas possam denunciar abusos e receberem acolhimento. A iniciativa tem apoio da clínica de psicologia da UEL.
A estudante de relações-públicas Lanah Stievano Consolini joga handebol pela atlética Ascof, do Ceca (Centro de Educação, Comunicação e Artes), e participa da
comissão por não concordar com o machismo no ambiente esportivo. “O assédio é comum e naturalizado. As meninas estão jogando e os homens ficam reparando nos shorts, nas características físicas. Ninguém quer saber se jogamos bem ou o quanto nos esforçamos nos treinos. O esporte feminino nunca foi valorizado”, aponta.
Consolini destaca que o ambiente das competições é hostil para as mulheres. “Nunca ficamos despreocupadas”, lamenta ela, que não aceita a naturalidade com que comportamentos ofensivos e machistas são recebidos. “É um reflexo da cultura machista achar que na torcida vale tudo”, denuncia.
Entre as atletas que participam de jogos universitários, não faltam relatos sobre assédio e ofensas machistas. Por isso, as alunas da Atlética V de Outubro, dos cursos de letras, filosofia, história e ciências sociais da UEL, criaram o grupo “Cangaceiras”, uma diretoria cujo objetivo é fiscalizar e receber denúncias de machismo, racismo e homofobia durante os jogos.
Laura Grosso, 19, aluna do primeiro ano de ciências sociais da UEL, sempre jogou vôlei e, nos JIA, disputa pela atlética nas modalidades de praia e de quadra. Convicta da necessidade de coibir comportamentos abusivos, ela denuncia que nos últimos jogos que disputou, o Calouro UEL, ouviu em jogo contra o time de medicina “coisas horríveis e que atrapalham muito”.
Beatriz Silva, 20, do segundo ano de ciências sociais, também faz parte do grupo “Cangaceiras”. Ela conta que as atléticas são estigmatizadas por muita gente que acredita serem organizações machistas e LGBTfóbicas, mas que acha fundamental a “recepção e integração” que proporcionam. “Não teria metade dos amigos que tenho na UEL. É muito importante”, define Grosso, que afirma que as integrantes recebem total apoio e autonomia dentro da diretoria para atuar contra essas discriminações. O Cangaceiras, que conta com aproximadamente dez meninas, não tem uma diretora ou líder e atua de forma horizontal. O objetivo principal é fiscalizar e tornar o ambiente seguro para mulheres durante os jogos.
É preciso prevenir, mas se isso não evitar que o preconceito apareça, elas disseram ter liberdade para lidar com o que acontecer e para punir conforme artigos do estatuto da LAL. “Primeiro, no caso de assédio ou agressão verbal, a gente conversa e avisa; se acontecer de novo, é expulsão. Se for agressão física, é expulsão direto.”
Bianca Cavalieri, PM e graduada em direito pela UEL, joga basquete e vôlei e relatou que alunas dos cursos de direito da UEL e da UFPR criaram uma página chamada “Jogos Sem Assédio” (https://www.facebook.com/JogosSemAssedio/) para lutar contra esse problema. Nos Jogos Jurídicos deste ano, elas fizeram uma camiseta com os dizeres “Jogue como uma mulher” e “#jogossemassédio” para conscientizar e expor a existência do machismo nos jogos.
“A ideia era usar durante os jogos, mas, principalmente, durante o aquecimento, quando daria mais visibilidade para a camiseta e, por consequência, para a causa nela estampada”, diz Cavalieri. Segundo ela, o impacto aconteceu. “A tendência é cada vez mais minas empoderadas nos jogos.”
Na opinião da PM, “quando a gente dá visibilidade a algo, ele passa a existir”. E completa dizendo que os meninos passaram a prestar mais atenção em como falavam com as meninas, o que foi positivo e elogiado por todos, “independentemente do gênero”.
Para denúncias sobre comportamentos ofensivos durante os JIA: (43) 9 9186-6370 (WhatsApp)