Folha de Londrina

Desigualda­de sem tamanho

Estudo revela que os seis mais ricos do País têm o mesmo que os 100 milhões mais pobres e aponta a forma de cobrar imposto como uma das vilãs

- Nelson Bortolin Reportagem Local

No Brasil, os seis maiores bilionário­s têm a mesma riqueza e patrimônio que os 100 milhões de brasileiro­s mais pobres. Caso o ritmo de inclusão no mercado de trabalho prossiga da forma como foi nos últimos 20 anos, as mulheres só terão os mesmos salários dos homens no ano de 2047, e apenas em 2086 haverá equiparaçã­o entre a renda média de negros e brancos.

Estas são algumas das principais conclusões do relatório “A distância que nos une, um retrato das desigualda­des brasileira­s”, divulgado nesta segunda-feira, 25, pela ONG Oxfam Brasil. A organizaçã­o, que trabalha no combate à pobreza e à desigualda­de, resolveu publicar, pela primeira vez, um estudo em que investiga, com base em vários dados, as raízes e soluções para um País onde se distribui de forma desigual fatores como renda, riqueza e serviços essenciais.

Para a Oxfam Brasil, uma das razões que fazem o País estar na lista dos mais desiguais do mundo é a política tributária, que pune os mais pobres. “O combate às desigualda­des passa pela revisão da forma com a qual o Estado arrecada e distribui recursos, da forma com a qual ele cuida das pessoas de hoje e prepara os cidadãos e cidadãs de amanhã”, diz o relatório.

Sistemas justos de tributação da renda, de acordo com a ONG, se apoiam em uma lógica simples: “quem tem mais paga mais, quem tem menos, paga menos, e quem tem muito pouco não paga nada”. No Brasil, ocorre o contrário. “Pessoas que ganham 320 salários mínimos mensais pagam uma alíquota efetiva de imposto (após descontos, deduções e isenções) similar à de quem ganha cinco salários mínimos mensais, e quatro vezes menor em comparação com declarante­s de rendimento­s mensais de 15 a 40 salários mínimos”, diz a ONG.

O relatório lembra que, em 1996, donos ou acionistas de empresas deixaram de pagar impostos sobre os dividendos recebidos na distribuiç­ão de lucros das companhias. Isenção para esse “salário dos super-ricos”, de acordo com a ONG, só existe no Brasil e na Estônia, dentre os países que formam a OCDE (Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico) e seus parceiros.

Citando dados da Receita Federal do ano passado, a Oxfam aponta que as pessoas com rendimento­s mensais superiores a 80 salários mínimos (R$ 63 mil) têm isenção média de 66% de impostos, podendo chegar a 70% para rendimento­s superiores a 320 salários mínimos mensais (R$ 252 mil). “Por outro lado, a isenção para a classe média (consideran­do as faixas de 3 a 20 salários mínimos – de R$ 2.364 a R$ 15.760) é de 17%, baixando para 9% no caso de quem ganha de 1 a 3 salários mínimos mensais ( R$ 788 a R$ 2.364)”.

Outro apontament­o do relatório que ajudaria a justificar a desigualda­de é a que a receita tributária do Brasil é focada na tributação do consumo (alimentaçã­o, medicament­os, vestuário, transporte, aluguel etc.), onerando “de maneira injusta os mais pobres, que gastam a maior parte de sua renda nestes itens.” O imposto sobre a renda, tido como mais justo pela ONG, é responsáve­l por apenas 25% da arrecadaçã­o.

Por causa disso, os 10% mais pobres no Brasil gastam 32% de sua renda em tributos (28% sobre produtos e serviços). Por outro lado, os 10% mais ricos gastam apenas 21% de sua renda em tributos, sendo 10% sobre produtos e serviços.

PATRIMÔNIO

Segundo a Oxfam, os países desenvolvi­dos focam mais seus impostos sobre patrimônio, taxando bastante as heranças. No Brasil, o imposto sobre herança representa apenas 0,6% da arrecadaçã­o nacional e, no Reino Unido, 40%.

Além disso, de acordo com o relatório, diversos tipos de patrimônio simplesmen­te não são tributados. “A posse de jatos, helicópter­os, iates e lanchas não incorre no pagamento de nenhum tributo por seus proprietár­ios, enquanto os veículos terrestres requerem pagamento do Imposto sobre a Propriedad­e de Veículos Automotore­s (IPVA).”

O documento ainda lembra que, apesar de previsto na Constituiç­ão de 1988, o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) nunca foi criado.

REFORMA TRIBUTÁRIA

Relator da PEC ( Proposta de Emenda à Constituiç­ão) da reforma tributária, o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB) diz que a revisão dos tributos é a principal medida a ser tomada para reduzir a desigualda­de no País. “Boa parte da concentraç­ão de renda se deve ao fato de a carga tributária estar´sobre o consumo, o que onera os mais pobres”.

Na PEC, segundo ele, já consta um dispositiv­o que irá ajudar a tornar o Brasil menos injusto. “Tiramos toda a tributação sobre alimentos e medicament­os. Hipotetica­mente, será possível reduzir em R$ 400 os gastos com esses dois itens das famílias com renda de R$ 2 mil”, alega.

Numa segunda etapa, por meio de um “grande acordo”, de acordo com ele, deverá ser feita a inversão do modelo atual, diminuindo os impostos que incidem sobre o consumo e as empresas, carregando de outro lado a renda e o patrimônio.

Os 10% mais pobres no Brasil gastam

(Com informaçõe­s da Agência Brasil)

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