Folha de Londrina

Ocaos da corrupção

-

Certa vez, numa entrevista comMarcola, perguntara­m se ele era o líder do PCC. O traficante respondeu sem vacilar: “Mais que isso, eu sou um sinal de novos tempos. Eu era pobre e invisível, vocês nunca me olharam durante décadas… E antigament­e era mole resolver o problema da miséria. Odiagnósti­co era óbvio: migração rural, desnível de renda, poucas favelas, ralas periferias. A solução é que nunca vinha. Que fizeram? Nada. Ogoverno federal alguma vez alocou uma verba para nós? Nós só aparecíamo­s nos desabament­os no morro ounas músicas românticas sobre a‘beleza dos morros ao amanhecer’, essas coisas. Agora, estamos ricos com amultinaci­onal do pó. E vocês estão morrendo de medo… Nós somos o início tardio de vossa consciênci­a social. Viu? Sou culto… LeioDante na prisão…”

Na verdade, essa entrevista nunca existiu, foi uma ficção criada por Arnaldo Jabor em 2006, mas que ressoa como realidade mais de dez anos depois, no momento em que o Exército toma conta das ruas do Rio de Janeiro, ainda assim, morrem crianças nas escolas e o armamento pesado do tráfico assusta quem se protege através da polícia com armas e viaturas que mais parecem sucata. Hoje, os moradores da favela da Rocinha não falam em violência, falam em guerra. Com850 militares instalados na comunidade de 80 mil pessoas, o triste saldo da última temporada de violência, até ontem, era de sete mortos só na localidade, sem contar os crimesemou­tras regiões da cidade.

Tomado pelo tráfico, com as contas públicas depauperad­as, o estado falido não consegue fazer nada de muito objetivo, enquanto a população tenta tocar a vida da melhor formapossí­vel, incluindoo­contrasted­arealizaçã­o deumevento como o Rock in Rio, durante uma semana, enquanto nas favelas a bateria é outra.

O terror emque se transformo­u o Rio de janeiro, não deixa de ser o retrato deumapolít­ica antidrogas equivocada. A cena nacional corrobora com a ideia de que os traficante­s venceram e, ontem mesmo, apreendera­m em São Paulo uma máquina capaz de embalar 150 mil pacotinhos de cocaína por dia. Num cenário de terra arrasada, cabe ressaltar a que nos levou a falta de governos sinceros, que construíss­em um Estado sem tanta corrupção que hoje desperta desconfian­ça aqui dentro e nomundo todo.

E enquanto as baterias das escolas de samba misturam-se ao som das metralhado­ras, resta refletir que o Rio da Copa e dasOlimpía­das não passou de ficção como a entrevista de Jabor. Como agravante de que dos anos 1990 até agora o número deMarcolas só cresceu. Que Deus salve o Brasil de seu desencanto e da sua falta absoluta de cuidados.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil