A CIDADE FUTURA
Decisões sem passar pelo crivo da população são tudo, menos democráticas.
Alguns anos atrás, numa reunião no britânico Lloyds Bank, o presente boliviano Evo Morales ouviu discursos contundentes de executivos da instituição sobre a economia de seu país. Cada um daqueles jovens burocratas parecia saber exatamente o que a nação sul-americana precisava fazer para caminhar de modo seguro até o melhor dos desenvolvimentos. Lá pelas tantas, meio impaciente, Evo Morales pediu que os burocratas apontassem no mapa onde ficava a Bolívia: a maioria errou.
Sobram no mundo contemporâneo especialistas em generalidades. Faltam sujeitos dispostos a conhecer a fundo aquilo que julgam poder alterar e melhorar. Parece haver um certo culto à desnecessidade da leitura, do envolvimento prático, da formação responsável. Em toda parte, multiplicam-se opiniões esvaziadas e até criminosas sobre temas delicados e exigentes, como, por exemplo, educação, saúde, segurança pública, economia etc.
Um dos sintomas mais agudos dessa expansão de generalistas e desengajados se efetiva na esfera da política institucional, em que carreiristas de gabinete, alheios às realidades sobre as quais costumam dedilhar, decidem cursos e destinos de milhões de cidadãos. É comum que propostas de reformas nos campos da educação e da saúde nunca passem pelas pessoas diretamente envolvidas, ou seja, professores e alunos, profissionais de saúde e pacientes. Burocratas e executivos que não costumam admitir seus erros – e, via de regra, têm por hábito tomar as piores decisões possíveis – controlam passado, presente e futuro de enormes contingentes humanos, na paz e na guerra.
Uma democracia plena, contudo, requer soberania popular e ampla partici-
Decisões que não passem pelo crivo da população podem ser tudo, menos democráticas”
pação política. Decisões que não passem pelo crivo da população podem ser tudo, menos democráticas. Não são sequer republicanas, no sentido etimológico da expressão. É nesse aspecto nevrálgico do mundo moderno que estão as mais danosas fissuras da desigualdade social. Onde não há uma substantiva igualdade de condições entre indivíduos e grupos sociais, prevalecem a arbitrariedade de poucos, o discurso “competente” de alguns e a situação de marginalidade ou precariedade de muitos.
Em suas “Memórias de um intelectual comunista”, o saudoso filósofo Leandro Konder afirmava estar convencido de que a liberdade para todos dependia de certa paridade nas condições sociais, econômicas e culturais asseguradas às pessoas. Se persistissem privilégios de concentração de renda e poder, a liberdade estaria degradada. Assim, destacava Konder, mais democracia depende de mais participação política, bem como o combate à exclusão deveria estar associado ao aumento dos excluídos nos processos decisórios e de enfrentamento das inúmeras formas de opressão.
Num País em que meia dúzia de biliardários é mais rica e poderosa do que 100 milhões de cidadãos e os 5% que estão no topo da hierarquia social têm mais dinheiro e prestígio do que os demais 95% da população, o olimpo democrático está muito distante. Nada, contudo, garante que, no final das contas, seja impossível mudar tudo isso. O futuro continuará dependendo daqueles que insistem em sonhar e lutar, por mais difíceis e desanimadores que sejam os cenários atuais.