Coliseu ou mídias sociais?
Se você possui um perfil nas mídias sociais, sabe que a empatia é algo longínquo, praticamente inexistente neste ambiente em que a antipatia perde apenas para o ódio, que hoje é o sentimento de ordem e é trabalhado de modo mais binário possível: se está contra mim, se não concorda comigo, eu odeio. Está proibido pensar diferente! Estimulou-se tanto o ranço no universo virtual, que perpetua-se no mundo real. Leva-se o ódio onde se vai para que se passem a odiar aquele ser/partido/ideologia/profissional a tal ponto em que tudo seja – como nos alertou Hannah Arendt – banalizado! O ser humano, a vida, a história. Tudo está reduzido à banalização por falta de empatia.
A odiada da vez é a professora Márcia Friggi, de Santa Catarina. Uma senhora que leciona língua portuguesa e teve seu rosto desfigurado por um aluno de 15 anos. A profissional expôs sua situação em seu perfil social a fim de gerar reflexões em torno deste projeto existente em nosso país, que é a deterioração educacional. Contudo, não bastasse a surra, ela agora precisa lidar com a difamação virtual.
Como nos tempos romanos, as mídias sociais viraram um Coliseu cheio de Lúcio Aurélio Cômodo, o gladiador. Diariamente, um desafeto é lançado à arena. Poucos estão clamando por misericórdia ou clemência. A maioria grita, irracionalmente, pela morte. E foi o que fizeram com Márcia. Muitos entraram em seu perfil no Facebook não para demonstrarem solidariedade, mas em busca de uma única razão pela qual ela merecesse o que ocorreu. Não pensaram que o fato de ser mulher, senhora, trabalhadora de uma classe tão imensamente desmerecida, como é a de professor, fosse o bastante para a compaixão. Não perceberam que o aluno também é vítima, e constatar sua vitimidade não é atenuar sua responsabilidade ou isentá-lo das consequências, ou ainda, “proteção ao meliante”. Queriam apenas uma razão para lançarem-na aos leões. É compreensível: reflexão é mais custoso que o prazer da violência.
Encontraram postagens referentes à redução da maioridade penal, no qual Márcia Friggi é contra, apesar de ter achado merecida a ovada que levou Jair Bolsonaro. Viram que ela tem tendência à esquerda, ao feminismo e gosta do Lula e do PT (que são – apenas eles – os culpados de tudo no país!). Então, segundo os “claudianos” da internet, ela mereceu! Assim como a Rainha de Copas de Alice, o grito é um só: cortem-lhe a cabeça desta esquerdista!
Pensamento tacanho, eu sei. Afinal, como bem disse Jesus aos fariseus e aos escribas quando indagado sobre o que fazer com a mulher adúltera, “atire a primeira pedra contra ela quem aqui não cometeu pecado algum” (João 8, 7). Que atire a primeira pedra em Márcia o (a) ilibado (a) que não riu quando fizeram imagens da ex-presidente Dilma com as pernas abertas para colocar nas bombas de combustíveis dos automóveis; que não celebrou a ovada de Bolsonaro e Dória; que não vibrou a morte de Marisa Letícia; que “achou pouco” o luto de Geraldo Alckmin por seu filho; que não deixou à míngua aquele morador de rua que só queria pão; que não vibrou com o assassinato da advogada em Charlotesville; que não achou merecida a morte e/ou sofrimento de alguém; que não gostou do linchamento do negro, do pobre, da mulher estuprada e do homossexual; que não achou certo o massacre aos refugiados e tantos outros “foi merecido” proclamados nestas redes de meu Deus.
Decretar que uma professora que não defende bandido, mas acredita que a redução da maioridade não resolverá o problema estrutural que há em nosso país para manter os jovens longe da escola e perto da criminalidade, deva apanhar e mereça sofrer, é doentio. É o cúmulo da falta de empatia. É o fim da humanidade. É o lar da hipocrisia, tão própria do ser humano. É uma lástima. É a prova cabal de que não entendemos nada, apenas encenamos. À paisana.
Como nos tempos romanos, as mídias sociais viraram um Coliseu cheio de Lúcio Aurélio Cômodo, o gladiador”