LUIZ GERALDO MAZZA
Nunca tivemos ciclo tão rico em inovações, com os choques entre os poderes.
Ainda que a procuradora Raquel Dodge entenda que o convívio intrapoderes em harmonia é condição primordial para a estabilidade (essa, na verdade, é o argumento alarme do governo acuado), nunca tivemos um ciclo tão rico em inovações justamente com os choques entre os poderes, na verdade, Executivo e Legislativo unidos e Judiciário, pela primeira vez, disposto a encarar a endemia da corrupção. Dias atrás, o parlamento italiano, em lei, identificou o fenômeno da corrupção com as ações mafiosas. Pelo menos no caso brasileiro, é visível tal simetria, como se vê no bojo das denúncias mais recentes e na linha geral que se observou do Mensalão à Lava Jato e nas alusões do quadrilhão do PMDB.
E isso tanto é verdade que se pretende o uso das medidas do STF, por maioria, contra o senador Aécio Neves como mais do que um jogo de braço de ferro pela Câmara Alta e até uma oportunidade de um golpe na ação judicial que hoje atinge grande parte dos integrantes das duas casas do parlamento. Fala-se desse conflito como se aflorasse agora e não no ciclo que precede o impeachment de Dilma Rousseff, o afastamento de Delcídio do Amaral e restrições a Renan Calheiros como chefe do Senado e Eduardo Cunha como o dono da Câmara. A ordem de resistência ao STF é até agora o brado mais forte desse confronto e é claro, se não houver, como sempre, a mediação dos diplomatas, teremos mais do que um atrito.
Até aqui os cuidados com o trato ritualístico das denúncias da Procuradoria da República reproduzem a situação da primeira, formalmente rejeitada, como de resto isso também se deu com o impeachment, recurso extremo e traumático, embora com cenas desconcertantes como a de não haver a perda dos direitos políticos da presidente afastada, colher de chá em meio à dose letal. O dado conflitual é indispensável, portanto, e não ameaça ao caos financeiro, moral e administrativo que vivemos, essencialmente uma antinomia à noção de estabilidade.