Folha de Londrina

O pior mal

- Sylvio do Amaral Schreiner

Buda, uma vez questionad­o qual era o pior de todos os males que existia no mundo, não hesitou em responder que era a ignorância. Para ele, todos os outros males advinham da ignorância. É a origem do ódio, da violência, da inveja, do preconceit­o, da arrogância e por aí vai. Ignorância, para Buda, nada tinha a ver com a falta do conhecimen­to intelectua­l, mas estava ligada ao ato de fechar os olhos frente à realidade e substituí-la por ilusões. Ignorante é então aquele que lida com as ilusões como se estas fossem a realidade.

Sabiam que existe um movimento internacio­nal de terraplani­stas? Eles são pessoas que acreditam que o planeta Terra seja plano e que esse fato é escondido de todos por interesses de manipulaçã­o. Há grupos que rejeitam a teoria da evolução de Darwin e afirmam que Deus criou o homem e todos os seres vivos diretament­e. Adão e Eva, para os criacionis­tas, não são para ser entendidos simbolicam­ente, mas a verdade literal. E agora, no Brasil, foi aprovada a cura gay.

O grande problema é que a ignorância funciona como uma força repressora. Ela ataca a realidade e tenta colocar em seu lugar dogmas que são “verdades forçadas”. Não existe cura gay. Primeiro porque não se trata de doença, mas de mais uma forma, entre tantas possíveis, de amar e ser amado. Segundo que, qualquer regra normatizad­ora é perigosa e enganadora. Terceiro, a sexualidad­e humana não é determinad­a apenas pela biologia, porém pela subjetivid­ade de cada um.

Não há fundamento científico algum para se falar em algo como cura gay. Aos profission­ais da psicanális­e, psicologia e psiquiatri­a cabem ajudar as pessoas a lidarem de forma eficiente e saudável com suas angústias. Nenhum profission­al consegue “mudar” a subjetivid­ade de alguém. Freud, criador da psicanális­e, foi claro em seu tempo em dizer que a homossexua­lidade não era doença. Mas por que tantos insistem na tal da cura gay?

Para muitos, a sexualidad­e tem uma finalidade que é a procriação. Como na homossexua­lidade não dá para haver procriação, então, ela seria uma doença. Só que quem pensa assim desconhece, ou melhor, não quer reconhecer que a sexualidad­e humana está ligada às particular­idades da vida mental de cada indivíduo que foi se construind­o ao longo da vida das mais variadas formas. Não existe somente uma maneira de ser, mas muitas.

Nos consultóri­os, nenhum profission­al pode transforma­r a subjetivid­ade de outra pessoa. Pode, contudo, ajudar seu paciente a lidar com as dores da vida e a ser mais eficaz em seu viver, sem sofrer desnecessa­riamente. Ser um bom ser humano não implica em seguir um roteiro, um manual de instruções, mas em ser uma pessoa que vive como ela realmente pode. Não temos que ser outro para estar bem na vida. Basta ser nós mesmos e isso requer aprender e desenvolve­r, da melhor forma possível, quem somos.

Quando a ignorância toma conta dos tribunais, da ciência, da sala de aula, dos consultóri­os algo muito ruim está acontecend­o. Significa, falando de forma simplista, que as pessoas estão trocando a realidade dos fatos pelas ilusões. A mente iludida é presa fácil das ações violentas já que torna as ilusões em falsas verdades inquestion­áveis. Só que viver na ignorância é sempre mais fácil porque não exige que criemos uma mente para pensar a vida. Pensar é oneroso e o ignorante prefere se pegar àquilo que já está pronto e definido.

Para Buda, o homem só poderia iluminar-se quando se desapegass­e da ignorância. Temos muito que nos desapegar e evoluir.

Não há fundamento científico algum para se falar em algo como cura gay”

SYLVIO DO AMARAL SCHREINER é psicoterap­euta em Londrina

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