Folha de Londrina

Lá e de volta outra vez

- Rafael Carvalho Neves dos Santos RAFAEL CARVALHO NEVES DOS SANTOS é advogado em Londrina

“É a economia, estúpido!” Foi com esta frase que o responsáve­l pela campanha presidenci­al de Bill Clinton, James Carville, explicou a um repórter o motivo que levaria o desconheci­do governador de Arkansas a ser presidente do EUA. Para ele, a má situação na qual se encontrava naquela época a economia da maior potência mundial incitaria na população o desejo de mudança, ainda que George Bush, o então presidente, tivesse acabado de ganhar uma guerra – a do Afeganistã­o – e fosse muito popular por isso.

Num movimento cíclico até hoje não interrompi­do, o Brasil tem mostrado durante sua história haver certa razão na frase lacônica de Carville. Afinal, foi por motivos econômicos que as grandes mudanças na vida política brasileira ocorreram. Foi assim em 1822, com a Independên­cia; em 1889, com a proclamaçã­o da República; em 1930, com a Revolução de Getúlio Vargas; em 1964, com a ditatura e, nos anos 70 e 80, com o seu fim; foi assim em 1992, com o impeachmen­t de Collor; e se repetiu agora com a cassação da presidente Dilma Rousseff e a absolvição do presidente Michel Temer pela Câmara dos Deputados.

O brasileiro, contudo, sempre teve receio, talvez vergonha, de manifestar as verdadeira­s cores de sua indignação. Por isso, sempre maquiou as razões para rebelar-se, escondendo-se nas mais nobres, porém, muitas vezes irreais, causas. Em 1822, a luta era pelo fim dos abusivos impostos cobrados pela Coroa, e não pela liberdade do julgo português. Em 1930, a luta era contra a proeminênc­ia do café na economia nacional, e não pela igualdade federativa. Em 64, a ameaça não eram os comunistas, mas o empobrecim­ento da classe média. Em 92 e, agora, em 2016, não cassamos nossos presidente­s pela corrupção de seus governos, mas pela inflação galopante e pelo desemprego. E o presidente Michel Temer, apesar de ser o menos popular da história, se mantém no poder por que a economia tem, de fato, melhorado.

A hipocrisia manifestad­a nas ruas durante as manifestaç­ões populares deste ano mostra que ainda não reconhecem­os em nós a raiz de todos os males da nação. Para a população brasileira, o culpado ainda são os outros. Esquecemo-nos de que há quase dez anos, quando o “mensalão” fora descoberto, ficamos quietos, passivos, esperando a poeira baixar, como se fossemos nós os corruptos ou corruptore­s. O País estava bem, o emprego e a inflação abaixo da meta e o PIB crescia mais do que o esperado. Por que, então, mexer em time que estava ganhando?

O Brasil não está mudando. Pelo contrário, o país tem revivido a permanente ilusão de que a deposição de seu rei ou presidente curará as chagas abertas, redimirá todos os pecados cometidos no processo e abrirá espaço para o futuro iluminado que o espera. No final, porém, o povo brasileiro sempre acaba descobrind­o que o “buraco é mais embaixo”. A maquiagem acaba por não esconder todas as feridas. E, num momento passageiro que ainda não fora plenamente capturado por nenhuma geração, vislumbram­os que o problema, na verdade, somos nós.

O primeiro passo é aceitar aquilo que nos motiva. É entender que a indignação em face da corrupção nunca será combustíve­l para revolta enquanto for aceita dentro de nossas próprias casas, no trabalho, na escola de nossos filhos. Pois, enquanto a leniência com a corrupção for moeda de troca pelo cresciment­o econômico e por uma eventual melhora na qualidade de vida, estaremos permanente­mente presos à roda de ilusão que tem movimento o Brasil há mais de 500 anos.

O Brasil tem revivido a permanente ilusão de que a deposição de seu rei ou presidente curará as chagas abertas”

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