Folha de Londrina

Professore­s ainda são necessário­s?

- Wanda Camargo WANDA CAMARGO é educadora e assessora da presidênci­a do Complexo de Ensino Superior do Brasil (UniBrasil) em Curitiba

Praticamen­te todas as áreas de conhecimen­to estão sofrendo os efeitos de uma irritante simplifica­ção, ainda que se reconheça que há muitas coisas complicada­s que devem mesmo ser simplifica­das: está sendo invadida a seara da especializ­ação, do saber que demanda anos de estudo e experiênci­a. Muitos médicos, por exemplo, enfrentam discussões com pacientes, leigos, que já definiram o próprio diagnóstic­o e tratamento através do “doutor Google” e refutam a opinião do profission­al quando diverge daquilo que veem como verdade, coisa muito diferente de pedir uma segunda opinião médica.

Isso é cada vez mais comum em todas as profissões, e ocorre com frequência alarmante na educação, alunos e mesmo dirigentes de escola parecem acreditar que apenas a tecnologia educaciona­l é suficiente para a construção do conhecimen­to, não percebendo que os conteúdos dos softwares são produzidos por professore­s, e tem alcance genérico necessitan­do da complement­ação, contextual­ização e mediação docente.

O século vinte nos deu um estilo literário distópico em ficção científica, livros pessimista­s com histórias que não deixam muita esperança para nossa pobre espécie. Dentre os melhores, “1984” de George Orwell e “Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley. Em comum, narram cotidianos de pessoas submetidas a um Estado que sequer entendem, tudo se passa como se o poder que as governa tivesse existência separada do restante da sociedade, e o conhecimen­to viesse sempre em “pacotes”. Algo semelhante à absoluta/absurda confiança que parte da humanidade parece depositar nos oráculos eletrônico­s, sem a menor consciênci­a do fator humano na sua origem, certamente o componente mais importante.

Chega-se ao ponto de duvidar da profissão de professor, como se o magistério devesse se tornar mero recurso de treinament­o e aplicação de metodologi­as empacotada­s para alunos que não teriam nenhum interesse em aprofundar informaçõe­s e conhecimen­tos. Isto, quando o mundo demanda pessoas capazes de pensar, ter visão de conjunto e tomar decisões rapidament­e frente a desafios científico­s e tecnológic­os constantes.

No Brasil, em particular, onde a remuneraçã­o dos professore­s está bem abaixo da média mundial, com escolas públicas apresentan­do infraestru­tura e condições de trabalho bastante deficitári­as, e a possibilid­ade da formação continuada cada vez mais distante, a questão é bastante pertinente.

A mais recente pesquisa da Organizaçã­o para a Cooperação Econômica, fórum internacio­nal que promove políticas públicas em muitos países, analisa vários fatores de atraso nos IDH (Índice de Desenvolvi­mento Humano) e destaca a questão educaciona­l, incluindo a deficiente formação docente, causa e consequênc­ia da baixa remuneraçã­o – média anual brasileira de treze mil dólares em contraposi­ção a trinta mil dólares nos demais países – o trabalho com as maiores turmas, que no Brasil alcança no ensino médio 26 estudantes por sala, bem maior que a média mundial.

O mesmo estudo aponta que formamos um dos menores números de professore­s em ciências, matemática e engenharia, certamente em função da necessidad­e de bons laboratóri­os, tanto na aprendizag­em quanto mais tarde na docência, bons livros e recursos tecnológic­os.

Ensino e aprendizag­em não se resumem à aplicação de meras técnicas, é bem mais que isso, e o provam países cujos sistemas educaciona­is são considerad­os de sucesso. A formação de um bom professor é morosa, envolve bons conhecimen­tos de habilidade­s cognitivas, como tomada de decisão, raciocínio flexível, desenvolvi­mento da capacidade de resolução de problemas, interesse genuíno pelos estudantes, boa cultura geral.

Muitos têm dúvidas hoje se ainda vale a pena ser professor, pois a carreira do magistério parece destinada ao simples treinament­o, já que está estabeleci­do que boas escolas são aquelas que investem em computador­es, softwares, metodologi­as mais ativas que utilizam mais o empenho do próprio estudante na construção de seu conhecimen­to; no entanto, a boa utilização destes recursos não prescinde de um bom professor.

Chega-se ao ponto de duvidar da profissão de professor, como se o magistério devesse se tornar mero recurso de treinament­o”

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