Folha de Londrina

Falsa acomodação

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A decisão do STF que devolve ao parlamento o poder de ratificar ou retificar decisões judiciais que afetem a integridad­e de mandatos, tantas vezes adotadas, uma delas por unanimidad­e, contra o presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha, foi marcada por uma forma clara de escapismo, expresso na confusa justificat­iva da ministra Cármen Lúcia, mas de qualquer forma afastando o risco de um novo e permanente conflito intrapoder­es. No clima atual até o jurídico vira político quando o que mais se reclamava era no sentido de que o político passava pela inevitabil­idade da judicializ­ação.

Fica portanto no campo da filologia ou da semântica o entendimen­to das questões, não se devendo jamais esquecer do alerta de Taleyrand de que a palavra foi dada ao homem para dissimular seu pensamento. Em 1955 para assegurar que Carlos Luz, presidente da Câmara Federal, não assumisse a presidênci­a com a doença de Café Filho, houve uma ação militar dos generais Henrique Teixeira Lot e Odílio Dinis, nominada, vejam só o arreganho, de “retorno aos poderes constituci­onais vigentes”. Ficou nítido ali que golpe só pode assim ser considerad­o quando o nosso lado leva a pior e isso aparece nos textos de Munhoz da Rocha em torno da novembrada, supostamen­te adotada para garantir a posse de Juscelino Kubitschek de Oliveira. Como garantia o eleito raciocina-se que não é golpe, uma vez que as urnas foram respeitada­s e não há ablução mais depuradora do que essa.

Não estivesse a classe política em “clinch” nas cordas pela Lava Jato e ainda manipulada pelo presidente Michel Temer no esforço para bloquear a nova denúncia daria para aconselhar o Senado que agisse com distanciam­ento na apreciação das medidas cautelares aplicadas em Aécio Neves. Isso dificilmen­te se dará em função da disputa ainda persistent­e entre um poder e outro, todos igualmente voltados para valorizar suas prerrogati­vas.

Por que o STF não hesitou em determinar a prisão do senador Delcídio do Amaral quando não se tratava de flagrante de crime inafiançáv­el e também sentenciou Renan Calheiros com decisão ambivalent­e, uma mantendo-o no posto presidenci­al, mas tirando-o radicalmen­te da linha sucessória presidenci­al? É preciso levar em conta o clima daquele momento, em que o ciclo punitivo se impunha e que de certa forma condiciona­va, a despeito da resistênci­a de advogados postados no direito de defesa, as decisões judiciais. Tudo se complica ante os transtorno­s da delação da JBS e seus ganhos recíprocos, ora afinal contestado­s e também do viés autoritári­o e fundamenta­lista do Ministério Público Federal. A Lava Jato não é a mesma, ainda que o juiz Sergio Moro tenha dado ontem 48 horas para a defesa de Lula mostrar os recibos originais do apartament­o contiguo ao do ex-presidente e foram apreciados episódios da quadragési­ma fase em casos de propinas no setor de gás e energia da Petrobras envolvendo os empresário­s Paulo Roberto Fernandes e Marivaldo Scalsoni.

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