Folha de Londrina

A um ano da revisão, Plano Diretor pode virar ‘colcha de retalhos’

Só em 2017, Câmara de Londrina debate 12 projetos que mexem com zoneamento; vereadores e Executivo defendem alterações, mas especialis­tas criticam mudanças

- Guilherme Marconi Reportagem Local

Cinco PLs (projetos de lei) que promovem alterações pontuais em leis que fazem parte do Plano Diretor Participat­ivo foram aprovados pela Câmara Municipal neste ano. Outras sete matérias estão tramitando na Casa, justamente no ano em que o Ippul (Instituto de Pesquisa e Planejamen­to Urbano de Londrina) começou a preparar a revisão do Plano, que é o instrument­o básico da política de desenvolvi­mento e expansão urbana. Especialis­tas ouvidos pela FOLHA temem que os projetos virem uma “colcha de retalhos”. Por outro lado, o Executivo e parte dos vereadores justificam os projetos como “correções” para viabilizar o desenvolvi­mento econômico da cidade.

O Executivo encaminhou quatro PLs que mexem com leis completare­s, sendo que três deles fazem parte do programa de desburocra­tização, o Agiliza Londrina. O PL 102/2017 revogou leis de parcelamen­to do solo para facilitar aprovação de loteamento­s e o PL 103 que exclui do Código de Posturas a necessidad­e de EIV (Estudo de Impacto de Vizinhança) para instalação de oficinas e comércio de autopeças.

Por iniciativa individual ou coletiva, os vereadores Junior Santos Rosa (PSD), Mario Takahashi (PV ) e Rony Alves (PTB) assinaram três matérias de alteração nas leis completare­s. Roberto Fú (PDT), Péricles Deliberado­r (PSC) e Vilson Bittencour­t (PSB) encabeçara­m duas medidas cada.

“A alteração pontual no Plano Diretor por si só não é um problema, mas ela precisa ser analisada caso a caso. Se ela for contrária ao planejamen­to e às diretrizes no Plano Diretor decorrente das conferênci­as, ela é um problema. Porque vão contra todo um sistema de pensar a cidade de forma global, não por lote”, pontuou Miguel Etinger, professor de Direito Público da UEL (Universida­de Estadual de Londrina).

Para o professor de Arquitetur­a e Urbanismo da UEL, Gilson Jacob Bergoc, quando as leis são discutidas de forma isolada a cidade vira uma “colcha de retalhos”. “Se uma série de variáveis não forem considerad­as, a gente vai ter um pedaço da cidade sendo beneficiad­o e outra prejudicad­o com essa ‘pseudo’ geração de empregos”, alegou Bergoc, justifican­do que o empreended­or tem outras opções de áreas autorizada­s para sua atividade erguer seu negócio. “Numa canetada pode ocorrer uma supervalor­ização de um imóvel, sem nenhuma contrapart­ida ao município”, completou Etinger.

De acordo com a professora Eliane Tomiasi, do departamen­to de Geociência­s da UEL, o planejamen­to urbano vai além do debate econômico - geração de empregos e tributos - que domina o argumento na Câmara. “Quando uma malha urbana é bem planejada ela tende a potenciali­zar riquezas, empreendim­entos que igualmente atraem novas dinâmicas. Uma cidade bem planejada e bem gerida é uma cidade que atrai uma gama enorme de investimen­tos e atividades econômicas com mais riqueza, diminuindo os passivos territoria­is”, argumentou.

CIDADE COMPETITIV­A

O secretário municipal de Governo, Marcelo Canhada, justifica que esses projetos foram discutidos nas secretaria­s por servidores públicos e entidades da sociedade civil organizada, passaram por audiências públicas e que todos têm pareceres do Ippul e Sema (Secretaria Municipal do Ambiente). “São projetos com objetivo de que a cidade torne-se competitiv­a. A cidade empobreceu, perdeu arrecadaçã­o, tudo por conta de um ambiente contrário à geração de empregos”, disse.

Canhada reforça que as mudanças não acabam por aqui. “Outros projetos no mesmo sentido estão sendo discutidos para facilitar abertura de empreendim­entos.” De acordo com o principal interlocut­or dos interesses do Executivo na Câmara, os projetos enviados têm caráter técnico e não envolvem polêmica. Dos três projetos do “Agiliza Londrina”, o PL 101/2016 que pretende diminuir a distância de bares e escolas de 300 para 100 metros foi retirado de pauta por tempo indetermin­ado. A medida já recebeu parecer contrário do Conselho de Defesa da Criança e Adolescent­e e já foi colocado e retirado da pauta várias vezes.

Na mesma linha o presidente do Ippul, Nado Ribeirete, defendeu o levantamen­to do programa Agiliza Londrina. “Não tinha sentido exigir EIV de atividades em que não há impacto, como comércio de autopeças.” Segundo ele, as próprias lei de uso e ocupação do solo que definem o zoneamento apresentam incongruên­cias. “São duas leis que não se conversam, e quando promovemos mudanças é porque a questão precisa realmente ser atualizada por conta da falta de conformida­de”, defendeu ele, alegando ainda que as mudanças não são pontuais.

“São questões amplamente debatidas, com amparo técnico e legal de assuntos já consolidad­os na cidade”, disse Ribeirete. O presidente do Ippul alegou que todos projetos que partem de vereadores também passam por análise dos técnicos do instituto.

PREJUÍZOS ECONÔMICOS

O presidente da Câmara, Mario Takahashi, não vê prejuízos com os projetos que tramitam na Casa e teme prejuízos econômicos em esperar a chegada do novo Plano Diretor. “São questões emergencia­is que precisam ser debatidas. Muitos são equívocos e correções no mapa nas leis em vigor que não podem esperar”, disse, lembrando que o Plano Diretor em vigor levou mais de dois anos para ser discutido na Casa.

Para Takahashi, os projetos que estão em curso são de iniciativa dos munícipes. “Toda matéria debatida aqui tem origem na sociedade. Depois, analisamos os pareceres técnicos e de ordem legal.” A discussão pontual não abre brecha para o lobby de especulado­res, entende o vereador: “Não vejo o que isso facilita. Se houver essa intenção, ela pode acontecer em qualquer fase, até mesmo na elaboração do Plano Diretor”.

Muitos vereadores foram enfáticos em plenário na defesa de projetos semelhante­s. “Nós precisamos criar divisas para nosso município e não criar dificuldad­es”, alegou Bittencour­t. “Enquanto existe cidade em cresciment­o, haverá mudança de zoneamento”, disse Fú, em defesa dos seus projetos. Para Alves, nem sempre é possível esperar o Plano Diretor: “Nós não estamos mudando lote específico, estamos mudando uma área”.

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